terça-feira, 11 de setembro de 2012
REVOLTA
As palavras ficam na toca do pensamento quando a maldade da vida chicoteia o desânimo que brota das mãos da multidão. Mas a revolta, essencial para impor a ordem democrática, deve seguir a rota da rua, porque é com ela que as vozes são ouvidas.
sexta-feira, 7 de setembro de 2012
SIMPLES
Se um homem cair e não mais se levantar é sinal de que ficou sem duas pernas ou sem uma vida.
quarta-feira, 5 de setembro de 2012
O GATO
Na cozinha vive-se a noite com indiferença, pois as panelas exigem dos olhos muita atenção. O gato, matreiro, dá uma marrada na porta de madeira e olha o vapor que sai do fogão. Depois lambe os beiços e mastiga um desejo, “Põe-te no carago! Não te quero ver a cheirar o que é meu”, o velho, de costas ligeiramente curvadas, faz da voz um martelo. O bicho, cabisbaixo, dá meia volta e pisa o chão da terra.
segunda-feira, 3 de setembro de 2012
FIM
Na praia, onde as crianças pedem gelados aos pais adormecidos, estico pela última vez a toalha. Para o ano haverá mais bronzeador e mais brincadeira; haverá mais batota e mais conversa com os peixes que fogem das minhas mãos; haverá mais lanches ao pé do crepúsculo. Vou até ao mar. A água está fria, como qualquer praia do norte, mas deixo que as pernas massagem as costas das ondas e pontapeiam os braços das algas. Por fim obrigo-as a voltar para o aconchego do tecido, que tem estampado no rosto os contornos da minha amada. E vejo, ao longe, um barco à vela. É então que me lembro do sonho, sonhado no dia de ontem: “Como era bom ter uma máquina do tempo!”, mas sei que isso não é possível, que isso só se tem na ficção. Fico um pouco irritado, enquanto arrumo as minhas coisas. A noite aproxima-se.
sexta-feira, 31 de agosto de 2012
DOIS VELHOS
Na varanda da sala, dois velhos namoram com o que dizem. E dão gargalhadas extensas quando o conteúdo é uma salada russa. Mas a tarde mistura-se com a noite e faz do dia um cubo de gelo. Cobrem a dor com os cobertores e saboreiam o crepúsculo, como se a memória quisesse fotografar as delícias da natureza.
SUGESTÃO
Obra-prima de Joyce, o melhor romance do século XX para muitos dos amantes da literatura, "Ulisses" viria a revolucionar a escrita de ficção e a tornar-se o mais idolatrado dos livros do século XX (só rivalizando com a "Recherche..." de Proust). E, como todas as obras-primas, alguns receberam-no mal no seu tempo (foi recusado por Virgínia Woolf para publicação na sua editora - "aquelas páginas tresandavam a indecência" - referido como "a coisa mais porca que alguém já escreveu", por D.H.Lawrence, proibido por muitos anos nos EUA). Mas hoje Joyce é autor consagrado e o próprio governo irlandês promove a sua obra. No dia 16 de Junho celebram-se os primeiros cem anos do Bloomsday, o dia em que se situa a acção de "Ulisses", com uma série de eventos um pouco por todo o mundo.
"Há obras que nos convocam imperativamente para os sentidos do acto de ler. 'Ulisses' é uma delas. Tal como o texto de Joyce transforma os que o precedem, não há leitor que não se torne um leitor diferente depois de ler 'Ulisses'. [...]
"A viagem do Ulisses modernos, Leopold Bloom, ocorre em Dublin, no dia que a história literária consagrou como Bloomsday. De Calipso a Ítaca (de sua casa a sua casa) se alonga a solitária errância que o reconduz ao ponto de partida. Pelo dia fora descansa numa igreja, lê a carta da mulher com quem se corresponde, assiste ao funeral de um amigo, passa pelo jornal onde trabalha, almoça num 'pub', compra um livro pornográfico para sua mulher, Molly, vê o amante desta partir para o encontro na sua própria casa, enfrenta um xenófobo bronco, masturba-se na praia em frente de uma rapariga, vai a uma maternidade e a um bordel, acompanha Stephen Dedalus, embriagado e agredido por soldados ingleses, e reentra noite dentro na sua cama, ao lado de Molly, que acorda, rememora a tarde ali passada com o amante e os amores antigos em Gibraltar, antecipa o concerto onde cantará 'Là ci darem la mano' e readormece junto do homem com quem não tem relações sexuais completas há mais de dez anos, desde a concepção do filho morto, Rudy."
Abílio Hernandez Cardoso, Público, Mil-Folhas
quinta-feira, 30 de agosto de 2012
LEMBRA_TE
Se beijares o mar ou se o agredires com um murro, vê: o que lhe fizeste só em ti tem efeitos.
quarta-feira, 29 de agosto de 2012
PESCA
Os velhos entopem a superfície que rodeia o farol. Os peixes, com as tripas de fora, dão o sinal de que a morte, bicho medonho, espreita sempre os corpos dos vivos. Mas ninguém está atento a ela, porque as canas avisam os pescadores que do mar estão bocas presas ao isco. Enquanto crescem os sorrisos, as ondas embatem nas pedras com violência, como se dissessem ao paredão que as palavras irão para o tribunal.
terça-feira, 28 de agosto de 2012
MULHER
A mulher é certamente um elemento humano fora do comum: as casas só não envelhecem porque ela existe.
segunda-feira, 27 de agosto de 2012
domingo, 19 de agosto de 2012
FOGO NA COZINHA
O casal enfia o avental no tronco. Dá um beijo e tira os tachos dos móveis. A confecção do jantar vai começar. Inexplicavelmente, pouco depois, o fogo apodera-se dos plásticos e dos panos. De seguida, a fruteira fica sem rosto. Por causa disso, os olhos dos aflitos ficam com medo. Ao longe, os gritos dos vizinhos são de alcateia assustada. Até a sirene dos bombeiros reclama a presença dos homens do sossego. Mas as mãos da velha, que é uma senhora de boa cabeça, asfixiam o fogo com a humidade de uma toalha.
sexta-feira, 17 de agosto de 2012
DE TARDE
Saio de casa. Estou farto de a sentir no corpo. Ao pé da câmara pouso o cansaço num banco de pedra e ouço os velhos a discutir. Parecem metralhadoras a disparar. Para não sentir os chumbos no âmago, fujo. Corro como os pássaros que tentam fugir do inverno. De súbito ouço um barulho rouco. Investigo a vizinhança e, ao longe, vejo motas aos pulos. Aproximo-me, “Vai, vai, vai carago”, “Ena, aquele é bom!”, e o silêncio volta à pista quando elas desaparecem na curva. Pouco depois, os motores voltam e as vozes acompanham-nas. Sorrio, adoro ouvir os gritos do povo.
quarta-feira, 15 de agosto de 2012
FÉRIAS
A chuva desce até à rua e encontra a solidão no asfalto. Os transeuntes, desfeitos em lágrimas, aproveitam as férias para beijar as sombras. Infelizmente, as minhas ainda estão ao pé do horizonte, onde o dia e a noite casam-se com o crepúsculo. Mas o meu ofício, que é o de ler, não me faz enfado e nem me asfixia. Por isso é que ando aos saltos e banho-me em sorrisos, numa altura em que o meu corpo está cheio de cansaço. Pouso o livro do Lobo Antunes na mesa e vou à cozinha. Depois ligo o fogão e faço um assado, enquanto massajo o lombo do Vieira: o cão da minha tia.
terça-feira, 14 de agosto de 2012
SUGESTÃO
Se Púchkin foi o grande poeta da literatura russa moderna, Nikolai Gógol foi o seu grande prosador. E Almas Mortas o seu grande livro. Este ucraniano, morto de doença nervosa e desespero espiritual aos 42 anos, imaginou uma grande obra épica que não só retratasse a Rússia como lhe delineasse o futuro. Imaginou essa obra em três "tempos", à maneira de Divina Comédia, por esta ordem: o inferno, o purgatório, o paraíso. Pelas vicissitudes da sua vida e do seu percurso espiritual, Gógol ficou-se pelo inferno, ou seja pelo I Tomo de Almas Mortas, que aqui apresentamos traduzido do original russo. Conta a chegada do vigarista Tchítchikov a uma cidade provinciana da Rússia esclavagista com o intuito de comprar aos senhores da terra locais, para fins inconfessáveis, "almas mortas" (servos da gleba já falecidos mas que ainda constavam dos registos de recenseamento como vivos). Estilo mordaz mas subtil, uma veia satírica e uma escrita moderna ainda hoje inimitáveis, aprofundamento dos caracteres até ao osso - é assim Almas Mortas.
Gógol ficou-se pelo primeiro tomo porque queimou por duas vezes os manuscritos do segundo. Abençoado auto-de-fé: no que restou do segundo tomo (salvaram-se do fogo cinco capítulos, cuja tradução está também incluída nesta edição), o seu humor corrosivo já só aflora de vez em quando, a preocupação religiosa do autor em regenerar as almas, o seu afã em reanimar uma ordem social moribunda teriam deixado o resto de Almas Mortas a grande distância da parte genial publicada.
segunda-feira, 13 de agosto de 2012
CAMPO
A tarde entristece-se. As nuvens pardacentas, que cobrem o céu azul e empanturram o horizonte, são o veneno dessa melancolia. Alheios a isto estão os agricultores, porque a batata obriga-os a esgravatar a terra com cuidado. Sobre os ramos das árvores, os pássaros observam os movimentos das enxadas. Parecem bastões a pontapear as costas dos insurrectos. Na retaguarda da guerra estão os pequenos, que enchem panelas e tachos com o legume castanho. Não têm beiços azedos, mas também não estão cobertos de sorrisos, embora, quando as mães trazem os gelados, o mundo dissolve-se na algazarra.
sexta-feira, 10 de agosto de 2012
GRITOS
Estou dentro de um armazém. O calor, de peito feito, assa-me com vivacidade. A solidão, escondida por toda a área, não abre uma janela para me ajudar. É preciso que a lucidez me indique o caminho da saída. A amizade, aquela que tem o brilho da verdade na sua essência, só se entrega a quem ajuda, a quem oferece a mão ao homem mais decadente, ao homem mais errante, ou então à coisa mais fascinante, que neste caso, é a algo que se prende a mim com unhas e dentes. Por vezes, o inesperado é maior do que o mundo, é maior do que o previsto.
De volta à rua, onde os pássaros espreitam os lanches dos homens, sacudo as gotas de suor que me inundam os vincos da testa. A tarde, porém, esconde-se no meio da noite e dá à fresquidão a oportunidade de refrescar as vozes entristecidas. De súbito, ao pé dos bombeiros, um adolescente grita: “Fogo! Fogo! As casas do Magalhães estão em perigo!”, ao ouvi-lo, os tanques de água saem do edifício e correm na direcção do monte. O Zé, de palito nos dentes, coça a careca e faz uma pergunta: “E se fosse a minha casa?”, observo-o e encarquilho o rosto.
terça-feira, 7 de agosto de 2012
MENTIRA
Abro a janela e vejo a noite a brincar com as cabeças dos montes. O frio, no entanto, obriga-me a fechar o meu domínio. É então que ouço os gritos dos vizinhos: “Tens de confiar em mim, amor”, “És uma cadela mentirosa. Não dá para confiar em ti”, “Tens de confiar”, “Não tenho nada”, “Tens!”, “Merda. Não me fodas a cabeça, cadela”, “Eu não te menti. Acredita em mim”, “O meu cunhado disse-me que te viu no cinema e tu a mim disseste-me que ias ao cabeleireiro. Como queres que acredite em ti?”, “Tens razão, tens razão, mas eu não te menti”, e o choro apaga o argumento.
segunda-feira, 6 de agosto de 2012
PROMONTÓRIOS
“Quero-te beijar os promontórios”, foi a frase que ouvi, quando coloquei o cansaço no parque da cidade, onde as crianças namoram com os baloiços e os velhos jogam cartas. Ao pé destas massas alegres estão sempre os pardais, de olhitos a mirar o pão que cai lentamente na relva, “Quero-te beijar os promontórios”, espreito. Por detrás de uma oliveira estão dois adolescentes abraçados. As bocas, tremeliquentas, percorrem os corpos em êxtase, “Quero-te beijar os promontórios”, “Aqui não”, “Anda lá”, “Não insistas”, “Anda lá”, “Que raio de rapaz!”, e as mãos do desesperado apoderam-se dos peitos da menina, “Aqui não. Aqui não”, “Anda lá”, “Não”, e este último não, que foi um gemido poderoso, a roçar a violência, obriga-o a cair na tristeza como quem cai numa poça. Os olhos da donzela, aflitos, ficam com remorsos. É então que do céu vem um enorme dilúvio, ideal para varrer maus pensamentos.
sexta-feira, 3 de agosto de 2012
HISTÓRIAS
A noite aproxima-se dos pés do dia e enfraquece a tarde. Daqui a pouco, no calendário, surgirá a mudança do número. Esta metamorfose natural, que traz velhas monotonias às cidades, engrossa a história da humanidade. Nenhum livro tem tantas páginas como o somatório de todas essas estórias.
quinta-feira, 2 de agosto de 2012
SUGESTÃO
«O movimento, ocupação de lugares diferentes em instantes diferentes, é inconcebível sem o tempo; igualmente o é a imobilidade, ocupação de um mesmo lugar em pontos diferentes do tempo. Como pude não sentir que a eternidade, ansiada com amor por poetas, é um artifício esplêndido que nos livra, embora de maneira fugaz, da intolerável opressão do sucessivo?»
«Esta pura representação de factos homogéneos – noite em serenidade, ar límpido, cheiro provinciano da madressilva, bairro fundamental – não simplesmente idêntica à que houve nessa mesma esquina há tantos anos; sem parecenças nem repetições, é simplesmente a mesma. O tempo, se pudermos intuir esta identidade, é um desilusão: bastam para o desintegrar a indiferença e a inseparabilidade de um momento do seu aparente ontem de um momento do seu aparente hoje.»
terça-feira, 31 de julho de 2012
segunda-feira, 30 de julho de 2012
O FIM
Os ponteiros do relógio avançam. Não há pausas nem hesitações na decisão de correr para o futuro, de encurtar a distância entre o agora e o daqui a pouco. E isso, para os nervos da flor, para o corpo que recebe o vestido branco com pérolas de amor, é um sacrilégio avassalador. Não é de estranhar, portanto, que os braços da noiva vociferam exigências e indicações para os convidados, para os funcionários: para os pobres homens que correm com pratos nas mãos. Os ponteiros do relógio avançam. São duas indicações que procuram a noite. E ela, a dançar ao ritmo do Emanuel, aparece ao fundo do dia. É então que a noiva, exausta mas feliz, beija os rostos cansados e abraça os ombros das crianças, como se indicasse que o próximo passo será aquele.
sexta-feira, 27 de julho de 2012
O TEU DIA
O dia cresce e os nervos aumentam. Quase que tocam no absurdo. Mas tudo é desculpável, tudo, porque amanhã, pela manhã, o véu estará encastrado naquela cabeça, que agora só diz disparates, só vocifera, só amua, e nos olha como se fosse o cano de uma espingarda. A mãe, coitada, anda perdida no meio da cozinha e esquece-se de tudo. O pai, a sorrir, está a fumar e a olhar o horizonte. Talvez esteja a esgravatar na terra dos anjos uma lucidez que o oriente, que lhe diga que o fato tem de ter uma gravata. A brilhantina a lamber o cabelo fica ao critério, pelo menos o avião, que acentua a linha que divide o céu e a terra, é apologista disso. As irmãs, sentadas no tanque de pedra, abanam as pernas e dizem anedotas. Por vezes cantam músicas conhecidas e dizem coisas de adolescentes. Ao pé delas, de braços cruzados, estou a escrever na memória um texto para o teu dia. Mas apenas me surge esta frase: “Faz da união uma Primavera, um beijo que te ajudará em tudo.”
quinta-feira, 26 de julho de 2012
SUGESTÃO
Estão aqui reunidas as cinco «Histórias de Petersburgo» - «Avenida Névski» (1834), «Diário de um Louco» (1834), «O Nariz» (1836), «O Retrato» (1841) e «O Capote» (1841). Acrescentou-se «A Caleche» (1836), pequeno conto que alguns autores integram neste ciclo. Trata-se do chamado «segundo período» da obra do autor, que se seguiu ao período das histórias ucranianas - «Noites na Granja ao pé de Dikanka» e «Mírgorod».
Estes contos do fantástico-real (ou real-fantástico), integrando o humor e a sátira inconfundíveis de Gógol, tiveram grande influência no ulterior desenvolvimento da prosa literária russa e, também, no de todas as literaturas ocidentais. A modernidade das propostas de Gógol continua mais viva do que nunca nestas histórias em que a personagem principal é a cidade de Petersburgo: mesquinha, sufocante, ridícula, irrisória e ilusória.
«O que é um facto é que o comprido e sensível nariz de Gógol descobriu novos odores na literatura (que conduziam a um novo frisson). Como diz o provérbio russo "o homem que tem o nariz mais comprido vê mais longe"; e Gogol via com as narinas. O órgão que nas suas obras juvenis era apenas um acessório carnavalesco encontrado nessa loja de adereços baratos chamada "folclore", revelou-se, no auge do seu génio, o seu mais importante aliado.»
terça-feira, 24 de julho de 2012
segunda-feira, 23 de julho de 2012
MODA
As asas saem-me das costas com violência e levam-me até ao café do alto, onde as roupas da moda, desenhadas pelos senhores de Itália, esticam a preguiça todas as noites. Não tenho nada para mostrar, não tenho palavras ocas para dizer, mas estou curioso em conhecer a praça do prazer porque a cidade não fala de outra coisa. Quando entro no rectângulo, vejo gente vestida como nos filmes de ficção científica, a abrir muito a boca, a mover muito os braços, a mexer muito as pernas. Peço um café a um empregado franzino, que tem o cabelo às cores, enquanto pouso os cotovelos no balcão. Alguém me diz, a medo, que o gesto não é bonito. Perco o sorriso e engelho o rosto. Mas o cheiro do café diz-me para ter calma. Agarro então na colher e movo o líquido escuro, “Pst! Pst!”, olho para a direita. Perto de mim vejo a origem da aflição, “O que deseja?”, pergunto ao velho bojudo, “O senhor tem uma roupa esquisita! Quem a desenhou?”, “A loja da esquina. Aquela que ladeia a tasca do Manel, “Pobre! E que falta de gosto!”, e foge. O dono do café, homem forte e elegante, aproxima-se das minhas orelhas. A fotografia que saiu no jornal do burgo é fiel à anatomia. Pouso a chávena e aguço-as, porque o janota abre a boca: “Você não está na moda! Devia de ter vergonha”, “Sinto-me bem com esta roupa”, “As pessoas, no entanto, não têm a mesma opinião”, “Pouco me importa a opinião dos outros”, depois de uma pausa, o elegante chama dois gorilas, “Não é preciso incomodar-se”, deixo uma moeda sobre o balcão e desapareço. Aquele espaço, cheio de futilidades, é uma sombra no meio do escuro.
sexta-feira, 20 de julho de 2012
SUESTÃO
Um Crime na Exposição retoma alguns dos personagens criados nos anteriores livros do autor, nomeadamente a dupla de detectives da Polícia Judiciária, Jaime Ramos e Filipe Castanheira. É precisamente o primeiro deles que, vindo do Porto e "exilado"em Lisboa durante a realização da Expo'98, se confronta com uma série de crimes ocorridos no recinto da última exposição mundial do século: os cadáveres de um biólogo açoriano apaixonado pelos rocazes, de uma oceanóloga mexicana interessada em gastronomia e de uma arquitecta paisagista ninfomaníaca aparecem como manchas que perturbam a visão de um mundo reunido em redor dos oceanos e da celebração de Lisboa como cidade da modernidade e do futuro. Construído como um divertimento em torno do policial Um Crime na Exposição não deixa, no entanto, de transportar os temas habituais dos livros de Francisco José Viegas : a Solidão dos homens, a crítica subtil ao Portugal pequeno-burguês e convencido da sua importância, os perigos da paixão, a arrogância do mundo da "cultura" e o conjunto de perdas que a civilização vai sujeitando os homens que procuram aceitar o seu destino sem heroísmo nem hipocrisia. Uma escrita maior, que parodia a própria literatura nos seus vícios e vaidades, e que confirma o seu autor como uma das vozes mais originais da ficção portuguesa de hoje.
quinta-feira, 19 de julho de 2012
SONHO
Tenho o corpo ao sol, ao pé do farol. As gotas de suor, pequenas poças de cansaço, contornam-me o rosto e fazem-me carícias, relembrando-me que tenho sede do sonho que há duas semanas me invade o sono.
quarta-feira, 18 de julho de 2012
VIDA OCA
Não possuímos nem o corpo nem uma verdade, nem sequer uma ilusão. Somos fantasmas de mentiras, sombras de ilusões, e a nossa vida é oca por fora e por dentro.
terça-feira, 17 de julho de 2012
COMPRAR ALEGRIAS
Desprendo-me do sono, usando gestos anárquicos e violentos. Depois saio da cama e vou para a varanda, onde espio a manhã. O céu, uma mão coberta pela cor da paixão, brinca com as aves. Mas na rua, larga e extensa, a tristeza passeia-se sobre o empedrado. Parece que aqueles corpos precisam de políticas mais animadoras. Ou de políticos que saibam que os subsídios são para comprar alegrias.
segunda-feira, 16 de julho de 2012
ENVELHECER
Quero ler as receitas da minha avó, que estão metidas nas gavetas da cozinha. Com sorte descubro a fórmula para não envelhecer.
domingo, 15 de julho de 2012
sexta-feira, 13 de julho de 2012
SUGESTÃO
«Livro absolutamente inolvidável por mais anos que se viva. Ou, de outro modo, um livro para a eternidade.»
Miguel Real, JL
«É um livro cheio de fantasmas, fantasmas dos Lusíadas, fantasmas do homem contemporâneo, uma viagem, uma anti-epopeia, e é um livro extraordinário. Estou convencido de que dentro de cem anos ainda haverá teses de doutoramento sobre passagens e fragmentos».
Vasco Graça Moura, TVI24
«Trata-se, como sempre em Tavares de um texto inteligente, brilhante mesmo […]»
Pedro Mexia, Público
quinta-feira, 12 de julho de 2012
PAI
As lágrimas do meu pai empapam-lhe as curvas da “juventude”. Não diz velhice; não diz que o tempo é uma praga para o corpo. Diz apenas “juventude” quando fala dos velhos ou das traquinices que faz no café da esquina, onde param os amigos das patuscadas. Beijo-lhe a humidade e digo-lhe “parabéns”, entregando-lhe um embrulho, “O que andaste a tramar?”, “Abre”, é o que ele faz. Aos poucos, a palavra amo-te é desembrulhada.
quarta-feira, 11 de julho de 2012
ROUBO
O dia enfraquece e a noite, cheia de olhos que parecem estrelas, ganha um pulmão do tamanho do céu. Desligo o motor. Fecho a porta da garagem e janto. Foi feijoada. Com os pés no passeio, que carregam algumas das histórias da cidade, olho para os vultos que dão voltas e mais voltas às notícias dos jornais, porque as divergências de interpretação são duas tempestades aos gritos. Perto do rio, paro. O cheiro do frio acaricia-me o rosto, mas os jagunços das sombras regam-me de cólera: “A minha carteira!”
terça-feira, 10 de julho de 2012
AO PÉ DA CAMA
Sentado defronte da janela vejo a solidão a percorrer as ruas da cidade. Nas fachadas dos prédios estão cabeças a olhar para a noite; estão buracos pretos a olhar-me. Fico atónico. Detesto que me observem. Mas saio do miradouro quando fico com os nervos irritados. Ao pé da cama, atiro o corpo para os sonhos, onde os beijos das mulheres são desejos excitados.
segunda-feira, 9 de julho de 2012
TARDE
Os beijos do sol enfraquecem. A tarde, envolta com o azul do céu, abandona a cidade. Prepara-se para dormir. Os candeeiros públicos, sujos e imundos, acendem-se. Os rostos das lojas, dos carros, das casas, fazem o mesmo. A corrente artificial, aos poucos, mostra aos olhos dos homens os lugares que se escondem na sombra.
quinta-feira, 5 de julho de 2012
PRAÇA
E paramos na Praça dos Leões, onde o silêncio barra a solidão e as teias da aranha afogam o busto do patriota, que descansa num dos topos do paralelepípedo boleado. Ao pé dele, as tábuas dos bancos namoram com as rosas vermelhas. Os espinhos, compridos e largos, estão deitados no jardim mal cuidado. A rodeá-los estão as fachadas das casas. São paredes simples, repletas de janelas e de portas taciturnas, com flores de pedra a salpicar os contornos das aberturas. Dentro delas é provável que haja palavras irritadas, gestos desesperados, amores-perfeitos. Ou nada. Ou quase nada. Ou espaços despidos dos aconchegos das rendas, dos mimos dos móveis, dos sussurros dos passos. Dentro delas tudo é provável, tudo é previsível.
quarta-feira, 4 de julho de 2012
terça-feira, 3 de julho de 2012
segunda-feira, 2 de julho de 2012
CREPÚSCULO
O calor pontapeia-me o corpo. Destrói-me o discernimento. E por isso perco a coerência. Mas o lombo das montanhas, que recortam o horizonte em ziguezague, dizem-me para me encostar às sombras. É o que faço quando encontro eucaliptos a salpicar o rosto. Pelo menos é o que me pareceu o conjunto de pedras sobre o cume na altura em que percorria o vale. Adormeço. A meio das brumas vejo os romanos a empurrarem pedras gigantes com a força dos braços. Hoje, todas as máquinas do mundo, todas as cabeças do mundo, não ergueriam a mesma história, a mesma paisagem, a mesma civilização. Na retaguarda dos músculos estão os senhores, os arquitectos e os filósofos. Atrás destes está a comida. O mar de fruta constrói uma serenidade, embora surja, por vezes, uma onda maldita. Talvez a irregularidade do caminho, que é largo e extenso, possa ser a causa dessa brusquidão. Acordo. Ao fundo, o céu está vermelho. É um vermelho desbotado, porque a noite vai escondendo o crepúsculo.
sexta-feira, 29 de junho de 2012
SUGESTÃO
Em 1937, Ernest Hemingway decidiu ir para Madrid, a fim de aí realizar algumas reportagens sobre a resistência do governo legítimo de Espanha ao avanço dos revoltosos fascistas. Três anos mais tarde, concluiria a elaboração do mais famoso romance sobre a guerra civil de Espanha, Por Quem os Sinos Dobram. A história de Robert Jordan, um jovem americano das Brigadas Internacionais, membro de uma unidade guerrilheira que combate algures numa zona montanhosa, é uma história de coragem e lealdade, de amor e derrota, que acabou por constituir um dos mais belos romances de guerra do século XX. «Se a função de um escritor é revelar a realidade», escreveria o editor Maxwell Perkins em carta dirigida a Hemingway após ter concluído a leitura do seu manuscrito, «nunca ninguém o fez melhor do que você.»
quarta-feira, 27 de junho de 2012
TELEFONE
O telefone atira para a sala um grito. É um barulho forte, rouco, que me faz estremecer, que me faz perceber que o silêncio é um engano, uma mentira, porque a sua essência altera-se conforme as necessidades ou apetites de qualquer coisa. Atendo. Do outro lado surge uma voz pacífica, um pouco filosófica quando as palavras voam na direcção da política. No meio da memória descubro que é o meu pai que fala. Sorrio, “Estás bem?”, “Nem por isso, filho. Mas é normal: a conjectura…”, “E a mãe?”, interrompo-lhe, “Está com saudades tuas, claro”, e as lágrimas saltam-me dos olhos como se imitassem a água das cascatas, como se fugissem da tristeza, “Também tenho saudades dela, e tuas”, e prometemos que no próximo sábado iremos abraçar os corpos com afinco.
terça-feira, 26 de junho de 2012
MESA

sexta-feira, 22 de junho de 2012
S. JOÃO
quinta-feira, 21 de junho de 2012
terça-feira, 19 de junho de 2012
DICIONÁRIO

segunda-feira, 18 de junho de 2012
FOTOS
Saio da noite. Devagar, entro no quarto, onde o computador afugenta as sombras. Sento-me. A cadeira, de madeira, faz uns gemidos. Mas o bulício, estreito, fino, perde-se no silêncio da madrugada. Respiro. É um acto divertido, porque me permite brincar com a camisola. Suspiro, e deixo que as lágrimas escorram pelos vales quando as fotos dos defuntos pintam o ecrã da máquina.
quinta-feira, 14 de junho de 2012
quarta-feira, 13 de junho de 2012
SUGESTÃO

segunda-feira, 11 de junho de 2012
ESCURIDÃO
Do céu, vem uma luz enfraquecida. A culpa dessa tonalidade tão singela é das nuvens e do vento, porque trazem do inferno a mão da escuridão.
domingo, 10 de junho de 2012
NÃO HÁ PRIMAVERA

sábado, 9 de junho de 2012
quinta-feira, 7 de junho de 2012
VINHO MENOS AZEDO
quarta-feira, 6 de junho de 2012
terça-feira, 5 de junho de 2012
PASSADOS

segunda-feira, 4 de junho de 2012
sexta-feira, 1 de junho de 2012
SOMBRAS
Saio da toca, onde os sonhos são o fruto do meu pensamento. O dia, repleto de sementes a boiar a dois passos da terra, é um assador que coze a carne exausta. Mas as sombras que saltam dos prédios dizem-me que a aflição não deve estar no topo da testa.
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