quinta-feira, 31 de maio de 2012

SUGESTÃO

O Velho e o Mar é, porventura, a obra-prima de maturidade de E. Hemingway. Santiago, um velho pescador cubano, minado por um cancro de pele que o devora cruelmente, está há quase três meses sem conseguir pescar um único peixe. Vai então bater-se, durante quatro dias, com um enorme espadarte, que conseguirá de facto capturar, para logo o ver ser devorado por um grupo de tubarões. Esta aventura poética, onde Hemingway retrata, uma vez mais, a capacidade do homem para fazer face e superar com sucesso os dramas e as dificuldades da vida real, é seguramente uma das suas obras mais comoventes e aquela que mais entusiasmo tem suscitado, ao longo de mais de meio século, entre os seus fiéis leitores.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

PASSADO

Saio de casa e deslizo nos corredores de alcatrão. Não há muito movimento. Quando chego à terra da minha juventude paro o carro e ligo a memória. As traquinices e os suspiros, os pássaros e os coelhos, os avós e as tias, os filmes e o futebol, são imagens que dizem às lágrimas para me cegar. Limpo a escuridão e olho para o passado: a casa continua igual; o jardim continua a trepar pelas paredes; as portas e as janelas continuam entreabertas, como se os medos da rua fossem convidados a entrar. Apenas o musgo das telhas cria no objecto a passagem do tempo. Olho para o retrovisor e vejo que o musgo também se apoderou de mim.

terça-feira, 29 de maio de 2012

SIMPLES

a noite é apenas uma porta para o dia.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

CORPOS

Desconheço o conteúdo que os levou a pensar que os sentidos são anzóis incapazes de capturar alegrias; desconheço os contornos da luta; desconheço o que os matou. Mas conheço-os da mesma forma que conheço os vincos da minha mão ou as curvas que ladeiam a minha morada e sei, por isso, que aqueles corpos, deitados nas ilhargas do céu, são perfumes da coerência. É por causa deles que a essência do meu corpo vive com a simplicidade.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

SUGESTÃO

Livro recomendado para as Novas Oportunidades, destinado a leitura autónoma - Grau de Dificuldade II. No prefácio dos "Azulejos do Conde de Arnoso", emite Eça a sua opinião sobre o conto: "No conto tudo precisa de ser apontado num risco leve e sóbrio: das figuras deve-se ver apenas a linha flagrante e definidora que revela e fixa uma personalidade; dos sentimentos, apenas o que caiba num olhar, ou numa dessas palavras que escapa dos lábios e traz todo o ser; da paisagem somente os longes, numa cor unida". O enredo é simples, linear. Não é analítico. Há neles concentração de ação, tempo e espaço. Eça realiza-se também como contista.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

PRIMAVERA

As gotas da tarde mergulham na cidade como pássaros no rio e humedecem as caras dos incautos que percorrem as ruas com suavidade. O sábado dá para isso. Mas o incómodo afasta-se e deixa-nos em paz. Sorrio. O frio, no entanto, recorda-me que a primavera não tem ainda espaço para sair do meu rosto e dar às abelhas o produto de que precisam.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

ESPERANÇA

Descobri que a esperança é uma lufada de emoções, que se prende aos músculos das pernas como carraças. Por vezes, os séquitos do coração não estão preparados para responder a esse desígnio. O cansaço, provocado pelo somatório dos dias, são a resposta dessa incapacidade. Mas a esses dias incaracterísticos, obscuros e inválidos, a inércia é destruída pela faca da vontade. E o que parecia impossível de se obter torna-se, como por magia, um braço mais perto de mim.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

CAMINHOS

Os dias de chuva fazem parte da memória. Mas há quem sonhe com ela, há quem peça a tudo para tê-la aos pés. As cabeças dos homens são, por isso, uma fábrica de caminhos que desaguam em terras distintas, onde as praças alojam vidas próprias. O meu, imutável, navega ao longo dos dias de sol, porque é do brilho que nasce o sorriso.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

AMIGO

Tiro as pernas da inércia. Ao pé da porta, agarro na maçaneta e puxo-a com ímpeto. Na mesma proporção, a figurinha caquéctica do meu amigo desenha-se à minha frente. Infelizmente, o meu sorriso tropeça na sua tosse.

terça-feira, 15 de maio de 2012

ÚLTIMO SUSPIRO

Levanto a persiana. Utilizo gestos calmos e sonolentos. Lentamente, o quarto perde o fulgor da noite e ganha o brilho do dia, que saiu do horizonte há mais de uma hora. Quando os bocejos do sol encontram os meus olhos, perco o norte e fico cego. Mas a magia da surpresa indica-me a porta da visão. Sorrio quando vejo a alcateia a passear nas costas da montanha e dou gargalhadas quando descubro as traquinices das crianças. Não há nada melhor do que ouvir a inocência a esgravatar nas folhas e nos ramos que a natureza criou. Deixo a janela. Tenho uma dor no coração. A meio do quintal tropeço numa pedra e caio junto da sepultura do meu cão. Foi uma queda violenta. É então que sinto a morte a visitar o que lhe pertence.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

SUGESTÃO

Às vezes, as traduções fazem com que os títulos deixem de ser fiéis ao que realmente significam. É esse o caso de "Gente de Dublin", do escritor irlandês James Joyce - "Dubliners", no original. É que "Gente de Dublin" é diferente (talvez substancialmente diferente) de "Dubliners". Se no primeiro se lê "conjunto de pessoas, gente que vive em Dublin", no segundo, contudo, lê-se caracteres-tipo, indivíduos feitos da mesma massa, do mesmo sangue. Há algo que os une e algo que os separa. Não são "apenas" homens e mulheres que vivem na capital irlandesa. Longe disso. São as mesmas origens, a mesma pobreza e o mesmo orgulho, os mesmos sonhos e desalentos. "Dubliners" é um conjunto de quinze contos e foi escrito por James Joyce por volta de 1905, quando o escritor estava em Trieste a leccionar - é o segundo livro do autor da obra-prima "Ulisses", e também de "Retrato do Artista Quando Jovem" ou "Finnegans Wake". "A minha intenção foi a de escrever um capítulo da história moral do meu país e escolhi Dublin como cenário porque a cidade me parecia o centro da paralisia. Tentei apresentá-la ao público em quatro aspectos: infância, adolescência, maturidade e vida pública", explicou Joyce. E é exactamente assim que o livro se apresenta. A "infância" é vista pelos olhos de crianças: um miúdo a quem morre o tutor ("Irmãs") ou rapazes que descobrem os prazeres ilegais da vida - livros proibidos e raparigas ("Um encontro"). A juventude ou a puberdade estão em "Eveline", a rapariga que olhava pela janela do quarto e que queria mudar de vida; em "Dois conquistadores", Corley e Lenehan, que se gabam das suas conquistas, ou em "A pensão", em que Polly e o sr. Doran se apaixonam sob o olhar reprovador da mãe desta. Em "Camaradas" está a maturidade deprimida de um empregado de escritório, como em "Uma nuvenzita" está a vida pública estraçalhada de Little Chandler - e "lágrimas de remorso começaram a brotar-lhe dos olhos". Em "Um caso doloroso" estão os primeiros prenúncios de uma velhice pintalgada de solidão, como em "O morto" está a crónica de uma morte anunciada. O que há, então, em "Dubliners"? Irlandeses ruivos bebem uísque de malte ao final da tarde; meninas de convento ajudam as mães na cozinha; putos reguilas jogam à bola do outro lado do rio; ruas e mais ruas, numa cidade que parece enorme e, ao mesmo tempo, minúscula, tal é a facilidade com que se sai de Temple Bar e já se está no Ringsend. Há também uma cidade suja e triste, vestíbulos quentes e apertados, cheiro a mofo, ácaros, vestidos de domingo, relógios de corda, álcool entornado em tampos de mesas. E há, sobretudo, um desalento - quem é esta gente, unida por um mesmo espaço, um mesmo tempo, a mesma classe? Parecem-se uns com os outros. Os anos vão passando, eles vão crescendo e, com eles, o desânimo, a infelicidade, a amargura acumulam-se como o papel nas paredes, as fotografias da família, a preto e branco, bolorentas. E o velho "dubliner" já não é o mesmo - está a envelhecer. Mas o rio continua, imponente, a correr para longe daquela ilha, da Irlanda, a correr, quem sabe para outra ilha, para Londres, quem sabe para o continente, Paris, Berlim, para longe do "ramerrão" de Dublin - para as "cidades imorais" com que sonha Little Chandler.

sábado, 12 de maio de 2012

SOL

O sol fugiu. Escondeu-se no meio das mãos pardacentas que as nuvens lançam ao azul do céu. A cidade, a deambular com tristeza, perde a profundidade das cores e o brilho dos olhos. Mas a vivacidade volta a pintar as ruas quando o sol descobre um rasgo na brutalidade, “Ninguém o entende”, “Pois, o governo parece maluco!”, “Não me refiro a isso, homem!”, “Então?”, “Ao tempo”, “Ah!”, dois homens de meia-idade, sentados a dois palmos da igreja, olham para a fila que, a passos lentos, entra na junta de freguesia com intuito de receber um carimbo. Uma nova exigência do centro do emprego, “Faz chuva. A seguir faz sol. O tempo está como a economia: maluco”, “É uma palavra meiga”, “Não me venha com palavrões”, “Está tudo fodido”, “Podia ter sido pior”, o zumbido pousa no silêncio. O lugar, taciturno, embora os pensamentos dos desempregados façam grandes barulhos, pelo menos é o que me dizem os seus olhos, vai mergulhando nas malhas da desilusão.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

SIMPLES

ontem como hoje, o amor é um fogo que arde sem se ver.

terça-feira, 8 de maio de 2012

SUGESTÃO

Um romance policial arrepiante e soberbamente escrito passado no gueto judaico de Varsóvia. Narrado por um homem que por todas as razões devia estar morto e que pode estar a mentir sobre a sua identidade… No Outono de 1940, os nazis encerraram quatrocentos mil judeus numa pequena área da capital da Polónia, criando uma ilha urbana cortada do mundo exterior. Erik Cohen, um velho psiquiatra, é forçado a mudar-se para um minúsculo apartamento com a sobrinha e o seu adorado sobrinho-neto de nove anos, Adam. Num dia de frio cortante, Adam desaparece. Na manhã seguinte, o seu corpo é descoberto na vedação de arame farpado que rodeia o gueto. Uma das pernas do rapaz foi cortada e um pequeno pedaço de cordel deixado na sua boca. Por que razão terá o cadáver sido profanado? Erik luta contra a sua raiva avassaladora e o seu desespero jurando descobrir o assassino do sobrinho para vingar a sua morte. Um amigo de infância, Izzy, cuja coragem e sentido de humor impedem Erik de perder a confiança, junta-se-lhe nessa busca perigosa e desesperada. Em breve outro cadáver aparece - desta vez o de uma rapariga, a quem foi cortada uma das mãos. As provas começam a apontar para um traidor judeu que atrai crianças para a morte. Neste thriller histórico profundamente comovente e sombrio, Erik e Izzy levam o leitor até aos recantos mais proibidos de Varsóvia e aos mais heróicos recantos do coração humano.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

ÁGUA

o rio já é um mar. as montanhas, aos gritos, vão perdendo território para a água barrenta.

sábado, 5 de maio de 2012

DIABO

Agarro no casaco e saio de casa. Chove como se não houvesse amanhã. Abro o guarda-chuva e enfrento a intempérie. Ao pé da câmara escondo-me na arcada do museu que já fora uma escola, porque as lágrimas das nuvens formam um oceano nervoso e possessivo. Estou só. Do outro lado da praça, as fachadas estão taciturnas. Os rectângulos que as recortam estão despidos de caras coscuvilheiras. Só os ramos das árvores afogam a monotonia que abraça o contexto. Sorrio e murmuro: “Há sempre uma mão que nos recorda que a vida deve ser vivida com esperança”, guardo a frase na memória e saio da arcada para enfrentar com robustez a dificuldade imposta pelo diabo.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

AMO_TE

Não há tempestade que vocifere como eu a palavra amo-te.

BORBOLETA SEM ASAS

Chove com abundância. Há semanas que é assim. As nuvens, carregadas de negrume, influenciam os rostos dos transeuntes, porque a primavera dá lugar à tristeza. O meu, envelhecido e cansado, está no mesmo trilho, está enfeitado com a mesma massa. Pouso o corpo num café e olho para o vidro que enfeita a entrada. Por detrás dessa parede vejo a cidade a contar os tostões. Alguns carros, pertencentes a magnatas sem respeito pela cultura, informam-me que o capitalismo é um patrão que vigia sempre os empregados. Indago os esfomeados e descubro que os sorrisos foram decapitados e que a esperança é uma borboleta sem asas.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

DESÍGNIO

A noite avança. As estrelas, sossegadas, rasgam a monotonia da bruma. Nos candeeiros públicos não há luzes. A austeridade obrigou a autarquia a minimizar os gastos. Coisas de quem tem os bolsos descosidos. Ligo a lanterna e desço as escadas. Está frio. Com os pés no empedrado, ouço um barulho ténue, frágil. Olho para todos os lados e apenas vejo o silêncio a mordiscar a paisagem. Porém, pouco depois, os senhores dos galinheiros assobiam uma melodia erudita. Dão à alvorada um motivo para crescer. Há quem precise de empurrões, de palmadinhas amigas para fugir da inércia. Entretanto, no meio do horizonte, surge o corpo de um avião. É pouco maior de que um ponto cravado numa folha. Apuro o olhar e observo-o como se observasse o meu desígnio.

terça-feira, 1 de maio de 2012

1 DE MAIO

Em 1886, realizou-se uma manifestação de trabalhadores nas ruas de Chicago nos Estados Unidos da América. Essa manifestação tinha como finalidade reivindicar a redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias e teve a participação de milhares de pessoas. Nesse dia teve início uma greve geral nos EUA. No dia 3 de Maio houve um pequeno levantamento que acabou com uma escaramuça com a polícia e com a morte de alguns manifestantes. No dia seguinte, 4 de Maio, uma nova manifestação foi organizada como protesto pelos acontecimentos dos dias anteriores, tendo terminado com o lançamento de uma bomba por desconhecidos para o meio dos policiais que começavam a dispersar os manifestantes, matando sete agentes. A polícia abriu então fogo sobre a multidão, matando doze pessoas e ferindo dezenas. Estes acontecimentos passaram a ser conhecidos como a Revolta de Haymarket. Três anos mais tarde, a 20 de Junho de 1889, a segunda Internacional Socialista reunida em Paris decidiu por proposta de Raymond Lavigne convocar anualmente uma manifestação com o objectivo de lutar pelas 8 horas de trabalho diário. A data escolhida foi o 1º de Maio, como homenagem às lutas sindicais de Chicago. Em 1 de Maio de 1891 uma manifestação no norte de França é dispersada pela polícia resultando na morte de dez manifestantes. Esse novo drama serve para reforçar o dia como um dia de luta dos trabalhadores e meses depois a Internacional Socialista de Bruxelas proclama esse dia como dia internacional de reivindicação de condições laborais. Em 23 de Abril de 1919 o senado francês ratifica o dia de 8 horas e proclama o dia 1 de Maio desse ano dia feriado. Em 1920 a Rússia adota o 1º de Maio como feriado nacional, e este exemplo é seguido por muitos outros países. Apesar de até hoje os estadunidenses se negarem a reconhecer essa data como sendo o Dia do Trabalhador, em 1890 a luta dos trabalhadores estadunidenses conseguiu que o Congresso aprovasse que a jornada de trabalho fosse reduzida de 16 para 8 horas diárias.