quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Feira do Livro Manuseado


Está aberto ao público a mais recente edição da Feira do Livro Manuseado promovida pela Assírio & Alvim. Trata-se, na sua maior parte, de livros com ligeiras imperfeições e por isso vendidos a preços baixos.

Mas desta vez haverá também livros esgotados, fora do mercado, cartazes da editora e postais.


detalhes: Livraria Assírio & Alvim,

Lisboa

até 31 Outubro

2ª a Sábado, 10h-19h

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O Futuro


E eis que a garrafa de champanhe explode de alegria pelos resultados obtidos. E eis que os olhares taciturnos rasgam o sossego pela derrota.
Na rua, cabeças desproporcionadas deambulam aos saltinhos e aos gritinhos, com bandeiras desfraldadas ao vento. Ladeadas por rectângulos coloridos que silvam ensurdecedora mente por uma vitória pessoal, por uma vitória pelo progresso, como se as suas vidas dependessem da cruz vitoriosa.
Como sempre, e após a queda do limbo neutral, o tempo será o amigo da verdade…

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O Sufrágio às Palavras


Queimam-se as últimas palavras de arromba nos comícios repletos de cabeças de todas as formas, de todas as cores; queimam-se os últimos cartuchos na eloquência e nos sorrisos dos encontros fugazes espalhados pelo país. Sempre, sob uma luz intensa vinda do negrume dos bastidores e sobre o trabalho de profissionais competentes, engaiolados em quatro paredes, com o café a escorrer-lhes constantemente pela goela.
E os flashes, as câmaras e as perguntas sempre presentes, demasiado próximos dos odores, sempre interessadas numa crítica, numa arrogância, num deslize, em algo de polémico para agitar o mundo, para o prender à resposta de uma voz ou para se rir com o dedo apontado, porque ele vive à sombra das frases certas e constantes dos dias.
No meio desta barafunda, destas palavras borrifadas pela emoção, o povo amarrar-se-á às verdades, e nunca às utopias, e votará com consciência.
Viva à democracia.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Quarto 108


A acção passa-se num quarto de hospital – o “Quarto 108” - onde um homem de 40 anos vai passar pela experiência de ser confrontado com a notícia de uma possível doença grave.Como se a situação não fosse já de si melindrosa e aflitiva, ele vai ter dividir o quarto com outro paciente mais velho, hipocondríaco e mexeriqueiro que vive na angústia de ter “alta”.Este confronto vai ser arbitrado por uma jovem enfermeira que se esforça por aturar e confortar estes dois pacientes tão diferentes um do outro e que, com ternura e profissionalismo consegue atenuar as carências e angústias de um, e a solidão e velhice do outro. O ser humano tem por vezes dificuldade em aceitar os diferentes destinos a que a sua condição o obriga. Um quarto de hospital não será o melhor local para partilhar conhecimentos e sentimentos, mas neste “Quarto 108” Gérald Aubert consegue falar da solidão e da doença com um humor bastante lúcido, levando estes dois homens a aprender a ser felizes e a ganhar, de novo, o gosto pela vida.


Na Casa das Artes - Vila Nova de Famalicão

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Indicadores dos Inícios


A noite estava coberta por um perfume tépido; desgovernado perante a longevidade da estação quente. O vento era apenas uma miragem, uma bruma coberta de sonho. E na rua, os contornos dos transeuntes, torneados pelo ginásio, deambulavam despidos pelos passeios, de sorrisos largos estampados nos rostos, como se fossem íntimos do calor ternurento borrifado pela felicidade.
Na mesma proporção, rodeado de um velho hábito português, chegava ao pequeno adro do Cine-Teatro de Vila do Conde atrasado para o concerto, enrolado em partículas de transpiração. O meu companheiro, velho amigo, era uma figura decadente, um derrotado pelo esforço, com um respirar diabólico. Muito próximo de um eclipse vivencial. Sim, é verdade, não poderei evoluir com a omissão, eu também não estava em melhores condições.
Mas, por entre sinfonias aflitas, o meu olhar desgarrava a aflição e, de sobranceiras agudas, dirigia-o para o murmurinho que evoluía na atmosfera, como a fumaça de um cigarro. E, como uma câmara pachorrenta, a magote surgia sob o véu, unida e concentrada às palavras.
O estranho estranha-se fundo, bem fundo, e surge a dúvida pela minha certeza. Olho para o relógio, gosto das certezas, e verifico que as verdades dos cartazes são meros indicadores dos inícios.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Romance que escrevo e que ainda não tem título


O crepúsculo, situado no infinito do horizonte, finda num adeus fugaz. A noite nasce num breve respiro. A este gesto repetido da natureza, como capelões vestidos de mágicos, assisto sempre maravilhado da varanda do meu apartamento, a três pisos de altura do pavimento asfáltico. E penso, numa voz surda, que não há nada mais belo do que sentir e abraçar o arrepio deste movimento. Mas a minha tristeza cresce, pois o tempo não tem tempo, e tudo acaba rapidamente. A noite cai. Com ela, surgem do nada, do vazio, por toda a parte, nesta escuridão mórbida que nos embala, pontinhos brancos que apenas nos sonhos molhados pelo suor os consigo ladear. A par, candeeiros públicos, presos nas fachadas dos prédios, acendem-se, iluminando os caminhos dos transeuntes. É nesta altura, mesclados pelas luzes, sombras recortadas pelos objectos, como espelhos fiéis, polvilham a cidade, colorindo-a com uma solidão enfraquecida. Ao vê-la, recordo-me da distância que nos afasta desmesuradamente, através de um agasalho nostálgico que me acaricia a memória. Pelo facto, um deslizar singelo dos lábios e um encolher minuciosos dos olhos, iluminam a chegada de uma lágrima, numa reentrância criada especificadamente para o aparecimento das sensações. Mas outras gotas, com simbologia idêntica, surgem umas atrás das outras, como rios culturais que invadem uma aldeia salpicada por montanhas. E o meu regaço enche-se de sentimentos feridos, presos a uma reminiscência passageira. Por momentos, o chão desaparece e o frio da queda violenta incorpora-se no meu corpo. Pouco depois, como se de um nada se tratasse, volto à noite. Na rua, a luz artificial paira de forma ténue e constante; as sombras tácitas e imóveis permanecem pintadas nas construções do homem. Na rua, nenhum movimento. Aqui, nenhuma palavra.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Os Gestos


Cercada por uma bruma amarelecida, a alvorada cresce amorfa e fria, no término de uma linha distante e intocável. E o azul do céu dissolve-se nos braços coloridos, desferidos pelo seu crescimento, e na cidade sombras fantasmagóricas diminuem a sua elasticidade, projectadas nos edifícios e nas árvores, como sonhos de vampiros a recolherem aos aposentos almofadados.
Entretanto, os gritos dos despertadores estremecem com o silêncio imaculado. Deles surgem outros ainda mais agudos, ainda mais pesarosos. Mas o relógio escorrega para o próximo número e o eventual atraso encrava-se na verdade como verdade. “Não posso, tenho que ir”, pressente-se na trovoada das afirmações que ecoam no vento.
Pouco depois, já a alvorada vive a adolescência na plenitude, as formigas proliferam em cada esquina, em cada pedaço de circulação e a cidade vive mais a palavra.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

As Palavras da Discórdia


A cidade dorme num único sono. Silêncio sobrevoa as colinas salpicadas de prédios velhos e infelizes, por não sentirem o aconchego da ternura de uma obra no lombo. Apenas os meus passos dão esperança de vida ao nada, caso ele esteja por aí a seguir-me. Por vezes, sinto-o próximo, quase que me toca, mas, no último movimento de aproximação, no derradeiro momento final, desiste sempre e esconde o pudor num gaveto próximo. Sorrio pelo gesto, sorrio pela atrapalhação juvenil, sem deixar que um pé avance sobre o outro, nas margens seguras de um noctívago.
Entretanto, a praça do município, esse belo local florido por inúmeros nomes exóticos de flores, surge-me lentamente na retina, como uma suculenta iguaria transmontana. E próximo da nudez completa, ainda às voltas com a volúpia, arregalo o olhar com as palavras gigantescas, de cores diversas, empoleiradas por duas estacas robustas de ferro, que conquistam e destroem todo o espaço.
Aproximo-me devastado e agastado por entre o sangue liberto da paisagem. Deixo descair uma dor pela face envelhecida e sento-me no banco de pedra, perto da estátua. E uma tempestade brusca visita-me pelo interior, e eu abandono a felicidade.
Pouco depois, um barulho tépido liberta-me da insolência muda. Procuro-a e encontro, na retaguarda dos meus quadris, uma planta moribunda a tossicar. Fito-a e pergunto-lhe se quer ajuda. Numa voz presa à morte, responde-me que perdeu a guerra para os candidatos às eleições, e que já não há nada a fazer.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A Imagem que Nunca me Sai


As ideias da frase são interrompidas pelo movimento pacato da folha a deslocar, exercido pela mão envelhecida que me pertence. E o desencaixe do momento faz-me conviver com o branco tépido e misterioso que me surge na visão. Envolvo-me em carícias com ele e, pouco depois, de mãos dadas, fugimos para o contorno do teu corpo, com paragem prolongada nos teus ouvidos, a fim de sussurrarmos os nossos sentimentos ardentes pelo teu coração.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

A Gaguez


As palavras inacabadas surgem sempre quando me lembro ou quando palro com amigos da cidade que visitei não faz dias. É certo que a memória ainda contém as imagens límpidas como de um filme, e daí o encravamento do discurso, mas a sua enorme qualidade cultural, em todos os parâmetros associados, espalhada por todo o território, com princípios na idade média, antevê uma gaguez eterna.
Já estou a ver o futuro, parece que a televisão está ligada, as pessoas a baterem-me nas costas, a abanarem-me, ou, no caso extremo, a reanimarem-me a minha velhice, porque acham que estou a colocar as mãos no desconhecido cedo de mais, e os curiosos encostados ao acontecimento, de braços dados à especulação infinita, a vociferarem que sou louco e que fugi do hospício tal. E eu, com as bochechas encarnadas, quase a explodirem, a enraivecer por não me sair palavras de esclarecimento para toda aquela malta, ela sim, maluca.
Por fim, removida a espinha por artes mágicas, no meio do cansaço, digo que “o cheiro da arte imobiliza-me os sentidos que vos contacto” e da multidão paralisada surge uma voz enrouquecida, “estão a ver, ele é louco”.

O Namoro Com as Ondas


É incerto a intensidade e a direcção do vento, é incerto a visibilidade do céu coberto a cor azul, ligeiramente desbotada pela velhice, é incerto a trovoada a barrar ao de leve os próximos dias esperados até ao sonho, mas é certo que o meu olhar namore as ondas sonolentas do mar, sentado num dos muitos bancos de pedra, salpicados na marginal da cidade que está conquistada pelas vozes fugidas à prisão do quotidiano, porque o meu casamento com a felicidade das palavras assim o exige.