sexta-feira, 30 de setembro de 2011

SUGESTÃO


Esta é a história de Crisóstomo que, chegando aos quarenta anos, lida com a tristeza de não ter tido um filho. Do sonho de encontrar uma criança que o prolongue e de outros inesperados encontros, nasce uma família inventada, mas tão pura e fundamental como qualquer outra.
As histórias do Crisóstomo e do Camilo, da Isaura do Antonino e da Matilde mostram que para se ser feliz é preciso aceitar ser o que se pode, nunca deixando contudo de acreditar que é possível estar e ser sempre melhor. As suas vidas ilustram igualmente que o amor, sendo uma pacificação com a nossa natureza, tem o poder de a transformar.
Tocando em temas tão basilares à vida humana como o amor, a paternidade e a família, O filho de mil homens exibe, como sempre, a apurada sensibilidade e o esplendor criativo de Valter Hugo Mãe.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

BUFOS NA RELVA


No exterior, três trabalhadores da relva conversam sobre a bola, enquanto as máquinas cospem desesperos para a monotonia, “O gajo é burro: apanhou o vermelho porque lhe apeteceu”, “Se eu gerisse aquela equipa, meu, o tipo ficava sem ordenado”, “Eu fazia o mesmo”, subitamente, na porta do céu, aparece uma mulher com um véu transparente, “Que loucura, pá! Aquilo é um golo de primeira!”, “Se ela fosse da minha equipa, eu aumentava-lhe certamente o ordenado”, e o trio maravilha cria primaveras no rosto. Porém, quando o homem atarracado abraça a anca sedutora, os homens procuram o desespero, “Ó mandriões, não vos pago para mexerem a língua”. Por causa daquele bufo, pouso a caneta na pedra e penso nas coincidências.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

METAFÍSICA


O conhecimento não abundava nos meus dentes. Mas assim que mergulhei nos corais do saber, que estão presos nas pedras da metafísica, senti logo os beijos da eloquência a acariciar-me as carnes. Por causa dessas carícias tão generosas, danço agora com as curvas da minha vereda como quem dança com a simplicidade.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

DESESPERO NA MINHA RUA


Nas terras dos senhores, as desilusões voam no milho como se fossem ventos. É certo que o horizonte lhes mostra a luz da esperança; mas também é certo que ela nunca sai da casota do longe, “Caro amigo, deixe os bufos no esquecimento. Estou farto de o ver a namorar com o desespero”, “Quando vir mudanças…”, “Procure-as”, e os dois compadres, que estão sentados nas memórias, formulam o filme da minha rua.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

PARABÉNS, PRIMA


De joelhos, a felicidade formula sorrisos e olha para pároco, que lê um texto com sentido, “Sim, aceito o Zé para o meu esposo”, “Sim, aceito a Tina para minha esposa”, e os anéis amarram-se às carnes emocionadas e as lágrimas deitam-se no chão da igreja . Pouco depois, o vento leva o paraíso para o adro. Aí, onde o sol esmaga o frio, as flores e o arroz voam para os lábios da união. A dois passos do baptismo, as máquinas fotografam o momento, enquanto o meu olhar desenha uma memória.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

SUGESTÃO


O Sonho do Celta baseia-se na vida do irlandês Roger Casement, cônsul britânico no Congo belga, em inícios do século XX, que durante duas décadas denunciou as atrocidades do regime de Leopoldo II. Este homem, amigo de Joseph Conrad (e que o guiou numa viagem pelo Rio Congo, revelando-lhe uma realidade mais tarde retratada no romance Coração das Trevas), teve uma vida extraordinária, plena de aventura. Acérrimo defensor dos direitos humanos ‹ como também o comprovam os relatórios que redigiu durante a estadia na Amazónia peruana - militou activamente, no fim da sua vida, o nacionalismo irlandês, acabando condenado à morte por traição e executado.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

JÚLIO RESENDE


Júlio Resende, um dos grandes nomes da pintura portuguesa de século XX, morreu ontem. Ficarás sempre na memória

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

LEIGOS

Os corais do saber, que estão encastrados nas pedras do mundo, atiram ovos para os leigos. Porém, a esfera ignorante desvia-se dos beijos como se fugissem da lava.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

AMIGA DOS INSECTOS

Ao longe, um pequeno risco perfura a noite e as estrelas. Quase no mesmo instante, ouve-se um arroto dos deuses, que mais parece a fúria do mundo, “Ai Maria, a coisa ta feia”, “Coloca os teus braços no meu corpo, Manel. Estou com os dentes a tremer”, e forma-se uma bola imaculada. Depois dos beijos, os olhos olham para a chuva que embate nas vidraças. Subitamente, perto do celeiro, surge uma alcateia, “Coitados dos meninos! Eles devem estar com frio”, com um salto violento, a Maria abre a porta ao mundo como quem abre o coração ao outro.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

DANÇA DO AMOR

Quando amamos, somos o dobro do que fomos. Que diga o espantalho da praça, que abraçava a noite como quem abraçava a morte, “O homem está todo sorridente. Parece que as cócegas da mulher lhe fazem bem”, comentam os torneados da reforma, “Aquela coisa metia medo; agora mete inveja”, cospem os salteadores da solidão. E a aldeia reescreve a estória mais bonita do mundo: a dança do amor.

domingo, 18 de setembro de 2011

PODER

"Prefiro chorar num rolls-royce do que ser feliz em cima de uma bicicleta", loucura a quanto obrigas.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

SUGESTÃO

Romancista e ensaísta português, natural de Melo (Gouveia), nasceu em 1916 e morreu em 1996. Estudou no Seminário do Fundão, licenciou-se em Filologia Clássica na Universidade de Coimbra e exerceu funções docentes no Ensino Secundário. Notabilizou-se no domínio da prosa ficcional, sendo um dos maiores romancistas portugueses deste século.
Literariamente, começou por ser neo-realista (anos 40), com "Vagão Jota" (1946), "Mudança" (1949), etc. Mas, a partir da publicação de "Manhã Submersa" (1954) e, sobretudo, de "Aparição" (1959), Vergílio Ferreira adere a preocupações de natureza metafísica e existencialista. A sua prosa, que entronca na tradição queirosiana, é uma das mais inovadoras dos ficcionistas deste século.
O ensaio é outra das grandes vertentes da sua obra que, aliás, acaba por influenciar a sua criação romanesca. Temas como a morte, o mistério, o amor, o sentido do universo, o vazio de valores, a arte, são recorrentes na sua produção literária. Além disto, Vergílio Ferreira deixou-nos vários volumes do diário intitulado "Conta-Corrente". Das suas últimas obras destacam-se: "Espaço do Invisível", "Do Mundo Original" (ensaios), "Para Sempre" (1983), "Até ao Fim" (1997) e "Na tua Face" (1993). Recebeu o Prémio Camões em 1992.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

ALDEIA


Do planalto vejo alguns tiros a passear nos lombos das estradas, que serpenteiam a aldeia com flor. Desço a corcunda da montanha e abro as portas do desconhecido, “Ó migo, precisa de ajuda?”, desprendo o olhar das fachadas manuelinas e procuro a origem do bulício, “Se andar até ali, vai ter à igreja; se virar aqui, irá encontrar a praia fluvial”, e o braço direito do velhinho abana o sossego, como se imitasse as asas dos polícias, “Obrigado pela informação, senhor. Boa tarde”, “Boa tarde”, cumprimento-lhe as mãos com estórias e movo-me para a igreja. Aí, onde as sombras são pessoas, porque as estátuas são deuses, não vejo nenhuma alma, não vejo nenhum animal. Acho que os autóctones estão a cantar as janeiras numa toca qualquer, pois o sol coze a paciência.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

DESVIOS

As árvores são testemunhas do presente, enquanto os corvos são falsas noites. Porém, as curvas do destino amedrontam os bichos, porque as garras da mentira mostra-lhes a face do desespero. E aquilo que podia ser uma simplicidade transforma-se num aterro para cadáveres.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

PRÓXIMO TEXTO

Coloco os pêlos do nariz no vidro da janela e revejo as memórias a morder as costas da montanha, onde o verão incendeia as cristas das folhas. Mas as cataratas do passado repousam logo no esquecimento, quando... (início do novo romance, que irei escrever em outubro) - já tem título, o que é inédito...tão cedo...

TRABALHO

Dois tolos falam para um esperto, "Não podes perder assim as esperanças, porque as conquistas constoem-se depois das desilusões", "E de muita persistência. Como dizia o falecido pároco, 'Sem trabalho não se consegue ter nem as pontas dos sonhos'. É bem verdade", mas o esperto vira-lhes costas e pede aos céus uma conquista.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

BOLO


fiz um bolo de chocolate para vocês. espero que gostem ;)

domingo, 11 de setembro de 2011

LÁGRIMAS


os sinos ecoam em nova iorque e as minhas lágrimas abraçam as famílias dos mortos.

sábado, 10 de setembro de 2011

PERFEIÇÃO

Os abraços da noite envolvem-me a ternura dos olhos. Bocejo e crio rios de sentimentos, que desaguam no chão pardacento. Mas antes de correr na utopia, beijo a tua face como quem beija a perfeição.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

ADEUS

Estou preso numa caixa,
que tem a forma do coração.
Peço aos meses que me libertem desse sufoco,
mas não há fantasmas que me queiram abrir a noite.

Esqueço os meus desígnios
e ouço os conselhos da tua boca.
Visto-me de cordeiro e sigo as regras
que não me deixam gritar.

Quando a velhice me bate à porta,
viras-me as costas e dizes-me adeus.

IGNORÂNCIA

"Acha que a cultura é cara?", "Sim, um braço", "Mas quanto custa a ignorância?", "Pois, um corpo".

FRASE

Olho para o mar e tenho a impressão que o chorei todo."

SUGESTÃO


Neta de D. Miguel I e última filha de D. Miguel II, Maria Adelaide de Bragança, Infanta de Portugal, nasceu em Janeiro de 1912.
Desde muito cedo, foi testemunha de um mundo em transformação. Assistiu à queda de impérios, viveu por dentro duas guerras mundiais e participou activamente na resistência contra os nazis. Por duas vezes esteve presa e em ambas foi condenada à morte. A intervenção directa de Salazar numa delas e um desenlace surpreendente noutra permitiram que continuasse a sua luta.
Ao chegar a Portugal, já casada, com o seu estilo sincero, directo e inconformado, continuou a defender as ideias em que acreditava, no auxílio aos mais desfavorecidos, desagradando a uma sociedade que considerava a sua actuação pouco adequada a uma pessoa da sua condição.
A Infanta Rebelde mostra-nos a vida de uma figura absolutamente ímpar na História Contemporânea de Portugal, mas, acima de tudo, o retrato de uma mulher que teve a coragem de ultrapassar todos os obstáculos e lutar pelo ideal que dava sentido à sua vida tornar a sociedade, tal como a sua natureza, mais justa e benévola.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

A PÁGINA


Os nervos fazem baloiçar o prédio. Acho que o terramoto do Japão não seria capaz de enviar tanto medo aos incautos, que se escondem nas roupas e nas sombras, “Nãooooo. Não quero ver-te. Desaparece”, limpo a sonolência e coloco os ouvidos coscuvilheiros no tecto, enquanto seguro na ceroula, “Desaparece, mentiroso. Como é que fui capaz de me casar contigo? Como? Como?”, “A mentira serviu para te libertar da chatice”, “Se eu sabia o que sei hoje, aquele rapaz não me escapava. É certo que era feio, mas tinha um coração de ouro”, “Aquele marceneiro? Bah, és mesmo totó. Tens um médico, mas pensas na merda! Olha, menina, ele não tem dinheiro para pagar cafés às madames!”, “E? E? Só pensas na tua profissão e no teu dinheiro. A vida é muito mais do que isso. Sabias?”, subitamente, o silêncio agarra-se ao betão. Pouso o corpo no sobrado e coço a cabeça desgrenhada, “Adeus mentiroso”, o último grito surge. De seguida, com uma rapidez desvairada, ouve-se passos. Ao fundo, pouco depois, a porta fecha a página.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

NOITE

Noite, irmã da razão, que serve para nos enviar aos desejos.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

CINZAS


As nuvens cospem cinzas, enquanto as cabeças desgrenhadas movem a ânsia, “Estou sem dinheiro, estou sem dinheiro”, uma voz aflita interrompe os movimentos naturais. Junto ao adro, um touro coloca as patas no púlpito, “Não gastes o que não tens; poupa o que vais ter”, e atira-lhe com violência, “Mas, mas…”, “Cala-te, desordeiro. Não mereces falar”, antes que o choro mastigue as sensibilidades, as almas desfazem o redemoinho.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

ADEUS


A porta arrota um mistério, que faz terminar com o meu pensamento. Levanto-me e deixo que as minhas pernas transportem a ânsia de abrir as cortinas. Mas antes de as tocar, o mar abana novamente o rectângulo, “Já vou”, rodo a maçaneta e puxo a noite, “Tu?”, alargo o desespero quando vejo a indecência, “Sim, querido. As férias não são eternas”, pego na mochila e voo para o desespero.

domingo, 4 de setembro de 2011

SILÊNCIO

As armas calam as vozes,
que acordam noites sem estrelas.
Mas os beijos dos defuntos
mastigam os moribundos.

Ao longe, perto da tua Primavera,
os nervos são invenções que não existem.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

FRASE

Os cães mordem os rabos. Parecem hipócritas a mastigar uma falsa verdade.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

SUGESTÂO

Tolstoi escreve aqui um livro que é literariamente admirável. O tempo é o da servidão. O lugar é a Rússia dos czares. Um senhor ambicioso, que quer comprar uma floresta, sai com o seu servo numa noite de grande nevão. Com a tempestade, perdem-se e são obrigados a passar a noite no trenó. E é ao longo desta noite que Tolstoi nos dá a conhecer a relação entre senhor e servo, perfeitamente definida pelos cânones do regime, e como essa relação se vai alterar à medida que as horas passam e o fim parece chegar de forma dramática.