segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Diferença


A noite abre a porta do castelo. A manhã penetra-lhe com vivacidade até conquistar o púlpito do dia, que não veste fatos brancos. E com ela a desferir luz para a cidade, a marginal enche-se de pernas a deambularem, "Hoje, o mar e o céu esconderam o horizonte", atira um idoso, que abraça uma idosa, "Mas o nosso amor nunca se esconde", e beijam-se apaixonadamente, enquanto um casal de namorados juvenis esbracejam entre eles longos impropérios.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Ler


Gustavo podia fazer um pequeno catálogo de mulheres que tinha tido, mas outro ainda maior das que o tinham rejeitado, conseguia ser uma alma compassiva e comovida, mas não era capaz de perdoar as rejeições acumuladas ao longo da vida. A ligação com Maria alfreda percorrera toda a escala de sofrimentos e vexames, num desgaste constante, que o havia esgotado, para corresponder às suas paradas e evitar sentir-se diminuído ao lado dela. Partilharam momesntos de amor, de raiva, de luta, de ironia, de crueldade, de arrebatamento e regelo naquela sala de tons de magenta, num conchego alcatifado, a um tempo tranquilizador e abafadico.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Homenagem


Faz hoje 110 anos que o compositor italiano, Giuseppe Verdi (1813-1901), morreu. O deus de todos os deuses. Ouçam: "La Traviata", "Aida", "Othelo", "Nabucco"...

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Para ti


Mergulho o desespero nas árvores, que se amontoam sobre a mesa de mogno, quando o telefone móvel me arremessa uma mensagem, "A Catarina, linda como a mamã Eduarda, já nasceu", alargo o céu azul e abraço a felicidade, "O rebento é um amor que beija os coiotes babados. Mas é o prelúdio das insónias, porque a noite é um abismo sem fim", penso, ao mesmo tempo que uma pequena lágrima atira-se para o meu vale direito, "Já há fumo branco, pessoal", e a laje não aguenta com o gáudio.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Um simples gesto


Uma parte do mundo corre na mesma proporção que o meu carro desliza no asfalto retalhado, como se os cabelos grisalhos fugissem do meu perímetro. Despois da ponte, travo a vontade e viro para a direita. Junto a essa esquina, mãe e filho abraçam-se com intimidade, "Boa tarde, Maria, está tudo bem?", "Como sou a mulher mais feliz do mundo, estou nas nuvens", e olha para o José, que é franzino e tímido, "Continuem aos beijos", sorrio e avanço o atraso.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Os copos de tinto


A tarde está fria. Muito fria. Os miúdos, com os narizes a pingar viscosidades, correm e dão pontapés na bola sem cor. Ao lado deles, a magote abraçada a muita roupa escarra pensamentos iletrados sobre as eleições, "Vai ganhar, é certo", "Não sei, tenho as minhas dúvidas", "Olha que vai", "Olha que não", "Olha que vai", o bojudo no meio dos franzinos despenteia os nervos, "Deixem-se de paródias, caros companheiros. E vamos beijar os copos de tinto", e saliva para o chão.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Sugestão


O HOMEM ELEFANTE
teatro - tnsj - 20 a 30 de janeiro

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Ler


Este romance baseia-se em factos verídicos ocorridos no século XIX, no meio da juventude boémia, mas intelectual, do Porto, da qual fazia parte o escritor Camilo Castelo Branco.

Retrata a vida de um jovem, filho dum oficial Inglês que se deixara envolver pelo amor; um amor intenso que lhe viria a provocar o fatalismo e a desgraça.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Omissão


Sento o aborrecimento num banco do jardim e despejo as sobranceiras para indagar o dia. Ao fundo da vereda, junto ao adro, o incauto fareja a omissão que o corja camufla nas palavras bonitas, "É para acreditar?", "Ó velho amigo, não sou o hipopótamo que se esconde na água", abraçam-se e dizem adeus. O tísico, de sorriso africano, desce as pedras e assim que me vê, "Olha, olha, quem descansa o corpo!", sorrio levemente, como se pintasse os dentes com ironia, "O que lhe queria o desnaturado?", "Pouca coisa", "Então pode esquecê-la. Nunca mais a vê", encarquilha a surpresa, "Aquele esputor! Não se pode confiar", e esbofeteia as pernas com as mãos.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Adormeço o cansaço


A estrada é uma vereda sem rumo que abraça a língua da noite, perto do promontório florestal. Mas quando o cansaço me consome a vontade, pouso o esqueleto no asfalto e choro uma tonelada de aflições. Limpo as reminiscências com a mão trémula e olho para o rectângulo que serpenteia a montanha, "Nunca mais te apanho", e adormeço o cansaço.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Obrigado


Voei até ao mar azul, que rugia uns impropérios escabrosos. Depois lancei para o areal o bolo de aniversário, que os séquitos do mistério devoraram em dois respiros. Mas quando as migalhas descansaram na areia, os invisíveis abraçaram-me com palavras de felicidade. Sorri, chorando que nem cataratas, e agradeci o carinho desferido. Obrigado.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Sugestão


Concerto
CASA DAS ARTES DE VILA NOVA DE FAMALICÃO
28 e 29 de Janeiro - Pedro Abrunhosa - 21.30h

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

O tempo


As paredes da cidade pestanejam sonolência, porque a magia do horizonte faz sacudir o negrume dos fantasmas. Na consequência, as persianas dos rectângulos, que rasgam o dorso da preguiça, estragam o silêncio imaculado. E daí, com os cabelos ao vento, a curiosidade espreita o tempo. E o tempo, diz-lhe para vir.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Ler


Um livro que gosta do Douro.
Um livro que conta a história do povo, dos seus trabalhos, dos seus amores, das suas tristezas, alegrias e dores...COISAS DA COISA, como só Miguel Torga sabe contar.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Vendem as próprias mães


Abro a porta da maravilha e cheiro a delícia do céu. E quando me debruço sobre o balcão, peço a vitrina para comer. Mas antes que o funcionário mova os músculos, dois indivíduos gesticam muito alto a sua razão, "Esta malta está toda passada, o que fazem para morder a fama!", "Vendem as próprias mães, camarada. Hoje é assim", rasgo o pacotinho de açúcar e despejo-o no leite castanho, "Para os corjas, os desígnios são conquistados sobre o tractor", "E quem não quer morrer, que fuja", enfim, a modernidade no seu melhor.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Para morrer é preciso estar vivo


O dia que parece noite sacode as gotas das nuvens como quem se liberta de uma grossa viscosidade. Estaciono o carro nos paralelos e voo para o abrigo do rectângulo. Sopro aí a humidade do casaco e olho o rio que atravessa a praça que nem gente, "Saem da frente, saem da frente", viro o corpo com um passo de dança desconhecido e salto para o lado quando dois gorilas de batas brancas ao pescoço empurram um moribundo sobre uma cama articulada, "Para morrer é preciso estar vivo", atira baixinho o desgraçado.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Ler


O advogado José Alírio de Sousa, figura bem conhecida no Mindelo, morre subitamente no dia do seu aniversário. Decorriam os preparativos para a festa quando todos foram surpreendidospor este funesto evento. Tão inesperada foi a sua morte, que é o próprio Alírio a relatar-nos os acontecimentos do atribulado velório. O seu espírito, demasiado preso às coisas terrenas, vagueia pelas divisórias da casa onde viveu ouvindo e observando aqueles que acorreram a acompanhá-lo naquela longa noite. Cada familiar, cada amigo, cada conhecido, representa uma estória na estória doq eu foi a sua, apesar de tudo não muito longa vida. E é em recordação em recordação que José Alírio nos vai revelando a sua agitada e aventurosa passagem por este mundo.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Homenagem


O pintor moçambicano Malangatana (1936-2011) morreu aos 74 anos, no hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, vítima de doença prolongada.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Não perca a vida nos exageros


A chuva acelera a velocidade e o vidro do modernismo agarra-se ao medo, como quem perde a brutalidade. Apresso os movimentos dos macacos e o dia pardacento salta-me para os nervos, "Sai da frente, meu. Não tenho a tua vida", limpo a aflição da testa, "Andor, molenga. Sai da frente", e dou um bofetada no volante. Subitamente, da caixa com luzes, aviva-se uma voz, "Não perca a vida nos exageros".

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Adormeço


Antes de os galos acordarem a alvorada, o meu nariz espreguiça-se na varanda, a três pisos de altura do asfalto. Subitamente, no balanço ao lado, "Bom dia, vizinho. Como vai hoje surprender o mundo?", "Não me lembro de o ter feito alguma vez", "Anda distraído, homem", sorrio, "Vejo luz nos olhos, paz no pensamento e amor no coração. Não é para todos", arregalo a curiosidade do rosto, "É verdade, caro companheiro. Olhe, se todos tivéssemos essas características, a sociedade dormia melhor", e adormeço.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Nunca mais choveu


Depois da noite, os festejos adormecem ao relento, desejando que o ano traga sonhos embrulhados em realidades. Mas os sentidos bocejam um cansaço, porque as conquistas são esforços que massacram os corpos, "Eu sou um obstinado", diz um indivíduo, que se ergue da praça, "Parabéns, esquisito. Olha, eu esperarei que chova. É mais fácil", mas nunca mais choveu.