terça-feira, 14 de agosto de 2012

SUGESTÃO

Se Púchkin foi o grande poeta da literatura russa moderna, Nikolai Gógol foi o seu grande prosador. E Almas Mortas o seu grande livro. Este ucraniano, morto de doença nervosa e desespero espiritual aos 42 anos, imaginou uma grande obra épica que não só retratasse a Rússia como lhe delineasse o futuro. Imaginou essa obra em três "tempos", à maneira de Divina Comédia, por esta ordem: o inferno, o purgatório, o paraíso. Pelas vicissitudes da sua vida e do seu percurso espiritual, Gógol ficou-se pelo inferno, ou seja pelo I Tomo de Almas Mortas, que aqui apresentamos traduzido do original russo. Conta a chegada do vigarista Tchítchikov a uma cidade provinciana da Rússia esclavagista com o intuito de comprar aos senhores da terra locais, para fins inconfessáveis, "almas mortas" (servos da gleba já falecidos mas que ainda constavam dos registos de recenseamento como vivos). Estilo mordaz mas subtil, uma veia satírica e uma escrita moderna ainda hoje inimitáveis, aprofundamento dos caracteres até ao osso - é assim Almas Mortas. Gógol ficou-se pelo primeiro tomo porque queimou por duas vezes os manuscritos do segundo. Abençoado auto-de-fé: no que restou do segundo tomo (salvaram-se do fogo cinco capítulos, cuja tradução está também incluída nesta edição), o seu humor corrosivo já só aflora de vez em quando, a preocupação religiosa do autor em regenerar as almas, o seu afã em reanimar uma ordem social moribunda teriam deixado o resto de Almas Mortas a grande distância da parte genial publicada.

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