segunda-feira, 31 de maio de 2010

“Tamuja” de Ivo Machado




“Filigranas de Leitura” é o título de um conjunto de actividades a desenvolver na Biblioteca Municipal. E, no âmbito dessas actividades, foi apresentado, na tarde de dia 29 de Maio, o livro “Tamuja”, de Ivo Machado.
Açoriano da Terceira, Ivo Machado já tem quase três décadas de escrita literária. Nasceu em 1958. Ainda Estudante do Liceu de Angra do Heroísmo revelou-se como poeta em páginas académicas. Mas seria no jornal “A União” (de Angra do Heroísmo) que, em Março de 1977, viria a público o primeiro trabalho poético digno de registo.
Parte da sua poesia está traduzida para castelhano, inglês, eslovaco, húngaro, italiano e bósnio. A sua actividade literária compreende participações em inúmeros eventos, para além da edição em livro. Poeta da memória e do afecto, Ivo Machado brinda os leitores de “Tamuja” com poemas que celebram a geografia do espaço e da emoção. Nesta compilação de poemas, Ivo Machado compõe e dá a conhecer uma ode ao lugar de torrentes e mistério onde nasceu.

As “Filigranas”, organizadas pelo Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Gondomar, decorrem até 5 de Junho. O evento tem como principais objectivos, promover a leitura e criar uma maior consciência sobre o valor social e cultural do livro (e de todas as formas de leitura), bem como aproximar e envolver a comunidade educativa do Concelho nas dinâmicas culturais da Biblioteca Municipal.
Teatro, histórias para bebés, “Hora do Conto”, oficina de Iniciação à Prática Teatral e uma sessão de poesia são as actividades já realizadas. As “Filigranas de Leitura” encerram no dia 5 de Junho. Às 16h00 vai decorrer a sessão “Pais e avós animam o conto”, orientada por Ivone Soares. Às 16h30 decorrerá o Concerto Musical com o grupo Voxpopulis – coro da Escola Secundária de S. Pedro da Cova e, finalmente, pelas 17h00 serão concluídas as “Filigranas de Leitura” com um encontro com o escritor António Mota.

Excerto


"E quando a persistência vence a preguiça do medo ou do trabalho, esse substantivo que faz cansar o mais cansado dos parasitas, o céu é apenas uma das pontas da curta escada. Ou o céu, neste prelúdio dos factos, é apenas a praça dos descansos. Que no silêncio dos vivos, dorme que nem um anjo nas oliveiras, assim que os meus braços se aconchegam nas suas pedras. Mas os descansos dos meus músculos não ultrapassaram os dois pestanejos, uma vez que o dever me chama a calcorrear a paz até ao postigo dos imprevistos."


"Vendedores de Tempestade"

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Dores de cabeça


É meia-noite e cheguei agora a casa. Estou cansado, exausto, aborrecido, sem paciência para silêncios ou para palavras fúteis, vindas de qualquer quadrante. As reuniões de condomínio provocam-me estas sensações. Naturalmente que não são as únicas, mas as outras, entranhadas nos nervos, são linguagens sórdidas, com cheiros nauseabundos, impróprias para vos mastigar, porque sois gente de bem e de outras castas.
Hoje, como nas outras reuniões, a peste negra invade os papéis com contas de inúmeros zeros e de muitos números redondos à esquerda dos nadas. E aquilo que parece impossível é comido com “sins” redondos, sem questionarem se a validade ainda vigora.

quinta-feira, 27 de maio de 2010


«As palavras atropelam-se, interrompem-se, rodopiando indiferentes às regras da identidade, da linearidade, indiferentes também à preguiça do leitor, esse leitor que já Machado de Assis interpelava ironicamente em Memórias Póstumas de Brás Cubas: « (...) tu amas a narrativa direita e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem». Neste caso, claro, o estilo chega expurgado de realismo, mero pretexto imagético para um exercício radical de linguagem: onírica, exacta, cruel (a morte, o sexo e o crime mancham O Arquipélago da Insónia), nunca descarnada, à imagem da música - a mais racional e sensual das artes.»

Ana Cristina Leonardo, Expresso

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Dor


Ontem, no início da noite, uma súbita dor pousou-me no ombro e nos olhos, como um não de uma mulher. Deitei-me na cama, de costas agarradas ao frio, e adormeci. Hoje acordei, com o abanão do despertador. E ainda estremunhado sinto outra dor: a garganta…Meu Deus, qual será a próxima?

terça-feira, 25 de maio de 2010

Sei que me acompanhas


Ouço música que as trevas encharcaram de morte os seus criadores. E arrepio-me por os ver numa cama de pregos, por entre as brumas do sonho, a chuparem por uma palhinha os nervos de um vivo. Arrepio-me pelo terror, fechando os olhos com vivacidade. Pouco depois, quando o silêncio é imaculado, liberto-os da cegueira por um simples gesto. Mas arrependo-me de o ter feito no momento seguinte, porque a imagem do meu avó surge-me aos olhos, obrigando-me a recordar que hoje faz quatro anos que ele desapareceu, depois de um espasmo de frio.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

A rua inatingível


O mar está ali, a dois cheiros do meu nariz, a sobrevoar o sossego de um pensamento. E como num vírus contagioso, o meu olhar turva-se e desapareço subitamente para uma cadeira, localizada num promontório, rodeada por um mar de sangue. Estremeço por ver esse facto sórdido e penso no motivo que levara a rebentar o dique da calma. Mas o deserto sem nome é o único pensamento mais coerente que me surge à rotina do cérebro.
Abro os olhos e o mar está ali a mandar fúrias para os meus olhos. Encarquilho as rugas pelo exagero e precisamente nesse momento surge uma voz, “a demência pelo descanso eterno obriga-nos a não atingir os sonhos daquela rua”.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Ler


Juan José Millás deslocou-se de Valência para Madrid com seis anos. Uma mudança que significou abandonar a luz e o calor do Mediterrâneo, para se instalar numa zona suburbana e obscura da capital, um marco fundamental da sua vida. A rua Canillas, naqueles tempos de casas baixas e escombros, é o cenário da infância e da adolescência de Millás, um cenário que transporta o leitor para o ambiente do pós-guerra, desvendando-se os segredos, as aventuras, os desejos e as esperanças do protagonista. Um amigo condenado a morrer, O primeiro amor, Um vizinho espião, O pai e a mãe, naquela rua tudo ganha uma dimensão diferente, as coisas adquirem uma qualidade mágica. Onde acaba a memória e começa a ficção? Esta é a realidade de um mundo, transformada em universo literário, uma autobiografia ficcionada- um livro imprescindível, belo e assombroso sobre o inevitável ofício de crescer.


Juan José Millás (Valência, 1946): Cedo muda para Madrid onde passará a maior parte da sua vida. Frequentou o curso de Filosofia e Letras, que veio a abandonar, desiludido com as limitações franquistas, dedicando-se a uma carreira administrativa que lhe proporcionasse tempo para escrever. É autor de romances como A Desordem do teu Nome, Assim Era a Solidão, Duas Mulheres em Praga e Laura e Júlio, entre outras, que o consagraram como um dos grandes escritores da actualidade. Desde as suas primeiras publicações, foi reconhecido pelo público e pela crítica, destacando-se os prémios Sésamo, Nadal e Primavera. A sua obra narrativa está traduzida em vinte e três línguas. É já na maturidade que Juan José Millás se dedica ao jornalismo. Cronista regular do diário El País, autor de reportagens e artigos em vários jornais, a sua prosa jornalística, várias vezes premiada, criou tantos apaixonados como a sua literatura. Numa escrita sempre psicanalítica e profunda, mas também viva na criação de ambientes, o autor criou uma obra ímpar, galardoada com o Prémio Planeta 2007 e o Prémio Nacional da Narrativa 2008. O Mundo chega agora aos leitores portugueses.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Nostalgia veemente







Na última 3ª feira estive no pavilhão atlântico, Lisboa, para assistir ao concerto dos Metallica. Que repleto até ao tutano, foi reviver a minha juventude no mundo preto. E que sorrisos espalhei no rosto por me lembrar destas reminiscências, meus amigos, quase perdidas nas exigências da vida adulta.



Pelo regresso, num comboio infinito e desligado da verdade, eu olhava as imagens rápidas do exterior, que mais não pareciam do que pequenos flashes veementes, e comparava-os com a minha idade e com a vossa idade. E percebi que a eternidade de um gesto, de um rosto, de uma palavra, dura até à morte do coração que os lembra.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Este sol cada vez mais distante


Ao longe, não no verdadeiro sentido da palavra – porque se a minha visão estivesse no exterior a distância não excedia uns metros – ouço os sinos da igreja. Anunciam um horário?, uma morte? Não sei. Mas já que penso na palavra do adeus, recordo-me a morte que a vida nos causa diariamente no corpo encarquilhado de dores. E penso que a técnica do capitalismo não é mais do que um rio a arder nas margens do sol.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Sugestão para o Arejo


Cratera

Valter Hugo Mãe

Um desafio do sempre intenso Teatro Bruto ao escritor do momento, valter hugo mãe, resultou num texto inquietante levado à cena e que agora chega a Aveiro. A mulher, como belo sexo, suporta também a condenação de o ser, suscitando os mais extremos desejos do homem, por vezes ao limite das coisas, ao limite da morte. O mundo persiste falocrático e a mulher prossegue como adorada e menosprezada ao mesmo tempo. “Cratera, As Crianças com Segredos”, propõe uma maneira mais difícil de ver uma mulher. Propõe que ela seja vista através de um homem, um actor que, nada disfarçando-se, é Beatriz, a irmã de um estranho Miguel que, na ausência dos pais, toma as rédeas da família que resta. Miguel diz à irmã que os homens sempre olham para as mulheres como se estas estivessem nuas, e Beatriz pensa que melhor seria se fosse também um homem para poder sair livremente à rua, sem perigo. Mas o perigo, aqui, vem de quem se espera cuidado, vem dessa louca e complexa componente do amor, a posse, que, degenerando, facilmente chega ao grotesco e ao desumano. Esta mulher, que somos obrigados a ver através do corpo de um homem e, por isso, nos custa despir, é uma manifestação simples do desespero de se ser aprisionado por um desejo desequilibrado. É uma mulher no mundo de um homem, como se a existência, em si mesma, fosse domínio dos homens e a eles apenas devesse prestar contas.


TeatroAveirense, quarta, 2 de junho, 21.45

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Consumir publicidade


Perto da escada e do elevador, um homem chora lágrimas de crocodilo para dentro da sua camisola colorida, como se a chuva inundasse a pedra macilenta. Retraio pela timidez, uns centímetros bem visíveis, mas não me agarro a ela por muito tempo, porque sinto súbita vontade de matar a penumbra infeliz, “Boa tarde, os pássaros gemem sorrisos no exterior”, “Eu gemo necessidades aqui dentro!”, “Desculpe, não percebi”, “Preciso dinheiro para consumir as publicidades”.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Nada de anormal


Volta o silêncio a casar com a sala cintilante, numa fraternidade extinta da modernidade, embora os gritos das ordens ainda ressoem nos objectos mais cristalinos. Mas o divórcio por conveniência, muito pestilento no sangue dos actuais vivos, é ultimado pelo berro alargado de um cheiro silencioso.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Ler



Na Avenida Vertical, nome de uma torre habitacional de 98 andares, símbolo citadino do ‘esquisito ano de 2044’, ocorrem dois misteriosos assaltos: o roubo de um helicóptero no heliporto que encima o edifício e o roubo de uma coroa de uma rainha portuguesa na Praça das Artes, uma das várias praças interiores. Nesta atmosfera de mistério desfilam as personagens principais: Antony, um historiador, a mulher Grace e o amigo escultor, James.Segundo a editora Planeta, "Uma noite não são dias" é "uma crónica inteligente da época em que vivemos". Para além disso, a perspectiva original sobre as presumíveis evoluções que encontramos caricaturadas na prosa ágil de Mário Zambujal "leva o leitor do sorriso à gargalhada

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Sugestão para o Arejo


CARLOS SANTANA

Carlos Alberto Santana Barragán, mais conhecido como Santana (Autlán de Navarro, 20 de julho de 1947), é um conhecido guitarrista e compositor mexicano. Tornou-se famoso na década de 1960 com a banda Santana Blues Band, conhecida posteriormente apenas como Santana - mais precisamente com a sua atuação no Festival de Woodstock em 1969, onde ganhou projeção mundial.
Pavilhão Atlântico
Concerto: 25-05-2010
duração do espectáculo: 120 minutos

quinta-feira, 6 de maio de 2010

As duas palavras


Não há dias que as pessoas não mentem para o chão ou para o céu. Mas o curioso é que essa falsidade nunca é desferida na horizontal, de olho para olho, de dente para dente. Parece que o mundo percorre os trilhos do quotidiano a fugir dos obstáculos muito a medo, como se o conforto com a verdade os matasse por pudor. O que é estranho, porque quem mente não tem dente.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

As cores dos rectângulos


Hoje as palavras não chegam aos meus dedos. Talvez esteja demasiado cansado para as pescar com o cérebro ou talvez esteja a dormir num sorriso profundo. Mas sinto os olhos arreganhados para os movimentos humanos! Espera lá, parecem desumanos, naquele promontório esverdeado, coberto de dinheiro. Amplio o meu olhar para o mistério e, pouco depois, confirmo que são desumanos a matarem-se pelos rectângulos.

terça-feira, 4 de maio de 2010

O Acto Solitário


Todo o humano necessita de um respiro íntimo, como uma volúpia, assim que descalça os sapatos cobertos de cansaço e os coloca na vastidão de possibilidades que a multidão cria. Por isso, a corrida ao ombro amigo faz-se desenfreadamente por todas as veredas do burgo, no que respeita ao meu contexto, muitas vezes sem o discernimento necessário que a procura tanto exige. Daí, infelizmente, o futuro ser deveras lastimoso porque se percebe que a solidão do acto de descalçar o sapato é a felicidade imaculada, “Tão natural como a sua sede”.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Ler


À luz da memória, a infância é quase sempre um lugar escorregadio, onde se regressa tanto para os momentos idílicos (e tantas vezes idealizados) como para os episódios definitivos, depois dos quais nada voltou a ser igual. Nas três partes que compõem A Origem da Tristeza, Pablo Ramos conduz um narrador na sua recordação de episódios desse período e o texto que daí resulta tem tanto de ternura como de violência, numa escrita que seduz pelo humor e pelo olhar encantado sobre a infância, mas que conquista verdadeiramente pelo modo cru como assume esse estádio da vida como semente de todas as melancolias e de muitos desencantos.
Os três períodos escolhidos por Gabriel, o narrador, para recordar a sua infância correspondem a sequências de acontecimentos que provocaram, de algum modo, embates significativos com a morte. Apenas no último esse embate é directo, mas em todos há a assunção da morte como inevitabilidade, o que só ilusoriamente é um tema afastado da infância. Na escrita de Ramos não há lugar para a visão pura e paradisíaca (e portanto, insossa) da infância, e é isso que confere força e abissalidade a esta narrativa. O lugar das brincadeiras não é necessariamente o da inocência, mas mais o da descoberta; do outro lado pode estar a ilha dos piratas e a floresta dos duendes, mas igualmente a certeza do tempo, tão capaz de desvendar os primeiros prazeres da carne como de lhe confirmar a inevitável corrupção.

Sara Figueiredo Costa