sexta-feira, 30 de março de 2012

NOITE


Perto dos objectos minúsculos, o crepúsculo é engolido pela noite. Da varanda do meu apartamento, que está a três pisos de altura do pavimento asfáltico, assisto à insolência. O crime, gesto executado pela natureza, obriga-me a construir palavras feias dentro de mim. Mas o silêncio aconselha-me a usar pensamentos mais recatados. Para não o atormentar com questões intensas, com questões que incomodam, dou um suspiro e olho para cima. A cidade do além, que é um espaço sem construções – pelo menos é o que os sonhos me informam – acende as estrelas. O manto da bruma perde então o aspecto irreverente e ganha contornos simpáticos. Quase ao mesmo tempo, os candeeiros presos às fachadas dos prédios iluminam os caminhos dos transeuntes. Movo o olhar e espreito a solidão. Sem que nada fizesse prever, a nostalgia relembra-me a morte da minha amada. Ao recuar até à tragédia, as fontes dos sentimentos fazem dilúvios calorosos. Os regos do rosto, incapazes de orientar a emoção, ficam submersos. Para que a inundação não invada por completo os lábios, varro o pensamento e limpo a humidade.

SOL

estou constipado. no céu, o sol envia raios de calor. isso provoca-me desconforto nas fossas nasais e nos tubos respiratórios. faço caras feias, daquelas que fazem assustar qualquer um. mas a sombra, que se esconde por detrás de alguma coisa, ergue a bondade. deixo o pudor no esquecimento e aceito o convite.

quarta-feira, 28 de março de 2012

EXCERTO DO ROMANCE QUE ESCREVI

"Sem que nada fizesse prever, sinto no peito uma dor confusa. Cruzo os braços e pressiono-o com afinco. Aos poucos, o crepitar perde o fulgor. Quando ela é apenas uma embalagem, uma partícula de memória, descravo a fúria do tronco e faço Primaveras no rosto. Ficam só a faltar os voos dos pássaros e as cores das flores para ter a perfeição dentro de mim. Mas o cansaço é um martelo que me massacra. Agarro no cobertor que entretanto caiu e vou para a sala."

terça-feira, 27 de março de 2012

126º ANIVERSÁRIO


Ludwig Mies van der Rohe, nascido Maria Ludwig Michael Mies, (Aachen, 27 de março de 1886 — Chicago, 17 de agosto de 1969) foi um arquiteto alemão naturalizado estadunidense, considerado um dos principais nomes da arquitetura do século XX, sendo geralmente colocado no mesmo nível de Le Corbusier ou de Frank Lloyd Wright.

Foi professor da Bauhaus e um dos criadores do que ficou conhecido por International style, onde deixou a marca de uma arquitetura que prima pelo racionalismo, pela utilização de uma geometria clara e pela sofisticação. Os edifícios da sua maturidade criativa fazem uso de materiais modernos, como o aço industrial e o vidro para definir os espaços interiores, e a aparência exterior de suas obras. Concebeu espaços austeros mas que transmitem uma determinada concepção de elegância e cosmopolitismo. Também é famoso pelas várias frases cridas por ele, algumas delas são conhecidas praticamente no mundo todo, como é o caso das frases "less is more " ("menos é mais") e "God is in the details" ("Deus está nos detalhes").

Mies van der Rohe procurou sempre uma abordagem racional que pudesse guiar o processo de projeto arquitectônico. Sua concepção dos espaços arquitetônicos envolvia uma profunda depuração da forma, voltada sempre às necessidades impostas pelo lugar, segundo o preceito do minimalismo.

segunda-feira, 26 de março de 2012

FAMÍLIA


Em volta da mesa, as cabeças fazem sombra para o tempo de pedra. A criança, que está no centro do rectângulo, olha para as nuvens com cabelos, “Pipipipi!”, “Cucucucu!”, “Cácácácá!”, “Riririri!”, do céu, os trovões são cuspidos como os tiros. Os olhos, pequenos, frágeis, amedrontam-se. Mas o silêncio embarga-lhe e voz, “Pipipipi!”, “Cucucucu!”, “Cácácácá!”, “Riririri!”, de súbito, no quintal, os pássaros metralham o silêncio. É uma música eloquente. Abandono o púlpito e vou até à janela. Sobre as pedras, localizadas no fim da propriedade, os pinchas acasalam e picam nos concorrentes. Parece que os mouros andam por ali. Tiro os cotovelos da madeira, pois o cansaço aleija-me a carne, “Pipipipi!”, “Cucucucu!”, “Cácácácá!”, “Riririri!”, na cozinha, a penumbra crava-se nos rostos dos adultos. Da mesa, porém, sai uma luz que incendeia as palavras que dançam no espaço.

sexta-feira, 23 de março de 2012

CARO AMIGO

mastiguei o teu poema. dele saiu sucos de prazer. sorri, transformei as nuvens que abraçam os meus cabelos em auroras que invadem as primaveras, porque a minha língua sentiu-se a dançar com a maravilha. da prateleira, tiro poemas. abro o livro e escarro sentimentos. os vizinhos, de olhos arregalados, vociferam verdades que eu volto a cumpri-las. viver num apartamento tem destas monotonias.
com o corpo na cama, imagino o mar. é um abraço azul que sacode as sombras que saltam das montanhas. mas a poesia é um beijo que me faz adormecer.

OLHOS

Os olhos do Lobo Antunes controlam os meus dedos. Por vezes dizem-lhes que o texto está mau; por vezes dizem-lhes que as palavras são fraquitas. Mas os elogios são beijos que eles não recebem. Sentem-se tristes, lacrimosos; esperavam que a pedra fosse mais mole, menos intensa, esperavam um assobio mais fino. Sorrio e digo-lhes que o maior elogio é ter uma voz que critica.

JUAN GRIS


Juan Gris, pseudónimo de Juan José Victoriano González (Madrid, 23 de março de 1887 - Boulogne-Sur-Seine, 11 de maio de 1927)[1], foi um dos mais famosos e versáteis pintores e escultores cubistas espanhóis. Apesar de ter falecido jovem, Juan Gris representa o expoente máximo do cubismo sintético.

Iniciou a sua formação ingressando na Real Academia de Belas-Artes de São Fernando. Após este período tornou-se aluno do pintor José Moreno Carbonero, começando também a ilustrar algumas revistas modernistas de poesia da época.

No ano de 1906, mudou-se para Paris, a "cidade-luz", centro mundial das artes. Ali conhece artistas como Guillaume Apollinaire, André Salmon, Max Jacob e, o que mais o marcou e influenciou, Pablo Picasso. Através deste último, conhece também Georges Braque.

Em 1912, passou, finalmente, a integrar o movimento cubista, tornando-se assim, conhecido em todo o mundo. Celebrou também, a sua primeira exposição individual, realizada na Galeria Sagot.

Continuou a expor nas melhores galerias de arte, até 1927, ano em que faleceu, com 40 anos de idade.

quarta-feira, 21 de março de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA


Poeta plural como o universo. Sentia com a imaginação. Prendeu a alma do pensamento e escreveu a poesia dos lugares comuns, das mentes inquietas, do Portugal sonhado, do amor adiado. Poeta que ainda hoje respira nas ruas, porque os seus versos marcam os nossos infinitos. (dia mundial da poesia. dedico este texto ao FERNANDO PESSOA)

terça-feira, 20 de março de 2012

ADEUS

E a voz morreu e o corpo sucumbiu às lágrimas que o devorava. As mãos das ervas, as amigas daquele corpo, estão debruçadas no caixão. Em volta, o silêncio reza. Pouso os joelhos na planície da tristeza e procuro nas prateleiras da memória as reminiscências que me façam sorrir. Pouco depois encontro-as nos fundos do compartimento, empacotadas em partículas de pó. Retiro o peso do tempo e volto aos tempos da juventude, onde nunca deveríamos ter saído.

segunda-feira, 19 de março de 2012

DIA DO PAI


As rectas e as curvas das ruas estão carregadas de calor. O sol sabe que hoje é o dia do pai. O meu está ali, sentado na poltrona dos reis. Diz que estes dias foram feitos para concentrar beijos e mimos nas bochechas dos felizardos. Não lhe refuto. Sei que ele tem razão. Também gosto de os receber quando o calendário diz-me que faço anos. Sem delongas, porque estas coisas não devem dançar com as hesitações ou os desperdícios de tempo, atiro os lábios para o púlpito. A minha mãe, agarrada às madeiras da porta, fica com os beiços descaídos. Dou uma gargalhada e digo-lhe que os ventos do meu coração também chegam para ela.

sábado, 17 de março de 2012

DIA

a chuva cresce e a terra molha-se. parece que se lava do calor que a tem maguado. os miúdos, de narizes encolhidos na tristeza e de bolas ao peito, espreitam o cinzento do dia. hoje não vai haver bulha. abro o livro do saramago e releio o impossível: "ensaio sobre a cegueira" e saboreio os sumos que as metáforas transportam.

sexta-feira, 16 de março de 2012

SUGESTÂO


«O assassinato de duas prostitutas, no Rio de Janeiro, que, de início, parece obra de um maníaco sexual, abre uma caixa de Pandora de onde vão brotando, no decorrer de uma ação trepidante, as complexas ramificações de um tenebroso sindicato do crime. A história passa-se em boîtes e bares sórdidos, em sumptuosas mansões do Rio, em vilarejos da fronteira entre a Bolívia e o Brasil, onde reinam a cocaína e o crime, bem como na interminável viagem de um comboio que percorre metade do Brasil com couchettes que rangem sob o peso de casais fazendo sexo.» Do posfácio de Mario Vargas Llosa

quinta-feira, 15 de março de 2012

NO CAFÉ


De manhã pouso os respiros nas teclas do computador e construo frases. Os movimentos do café não me afectam. Mas os beijos das crianças pedem-me um minuto de atenção. Concedo-lhes. Ao fundo, o céu e a terra brincam com a infância, enquanto os olhos dos adultos apontam que o futuro juntará aquelas almas. Que infelizes! Ainda não sabem andar e já a hipoteca lhes diz que o caminho a seguir é aquele. Para não me aborrecer, levanto-me e abro a porta. Quero que o vento pontapeie o ócio.

quarta-feira, 14 de março de 2012

UMA MANHÂ


Os primeiros braços da manhã perfuram os sonhos das cabeças, que mastigam os sorrisos ou as tristezas. As cristas das folhas respiram alegrias, pois já podem sentir a eloquência do sol. No empedrado, os carros estão cobertos por partículas da noite. Fecho a janela. Deixo que a aldeia se vista de luz. Depois de sentar a sonolência na cama coço a anarquia. O cabelo é uma floresta devastada por uma tempestade, pelo menos é o que me diz a parede de vidro. Do outro lado do conforto, sinto um movimento. Olho para esse ponto. De braços a desenhar preguiças no ar, a desconhecida é uma Primavera. Estico o desassossego e toco na ponta da volúpia, “Malandro!”, sorrio. É um gesto que sente a loucura do desejo. Ela pressente que a manhã lhe vai dar muito trabalho. Mas não está com vontade de ser escrava da minha anca. Por isso salta para os fundos do quarto. Fico triste e perco a elasticidade do corpo.

segunda-feira, 12 de março de 2012

QUINTA


A tarde respira os últimos suspiros e as galinhas esticam a preguiça. De quando em quando, o peito do galo acaricia as costas das meninas. A velhota, que é uma amiga do meu coração, dá-lhe uns bufos e atira-lhe uma escarradela grossa. O tipo, de olhos satisfeitos, levanta o bico e vira-lhe a repugnância. Perante tal comédia, os meus dentes constroem Primaveras. Há muito que não sugava um filme tão eloquente. Indiferente a isto, o gato pousa o cansaço na pedra e coloca a boca no leite. Aos poucos, o prato de inox fica com a solidão a mordiscar-lhe o nariz. Na rua, os cavalos levam os bojudos para as quintas que proliferam ao longo do monte, onde os ventos namoram com as árvores. Por fim, a noite crava-se na crista de todas as coisas. As estrelas, do tamanho de olhos, agarram-se às almas que saíram dos corpos adormecidos e dançam uma dança dos sonhos. Sorrio. Gosto de ver estas coisas. Quando o frio coze-me a carne, vou para o quarto e tiro os pés do chão.

sábado, 10 de março de 2012

AURORA E AS NUVENS

A crista dos montes namora com a aurora. fazem uma dança com as cores que nem em filmes se viu. mas os espirros das nuvens encobrem as delícias naturais.

sexta-feira, 9 de março de 2012

SUGESTÃO


«Arranjei o covil e parece que me saí bem. Do exterior vê-se apenas um grande buraco, mas na realidade esse buraco não conduz a parte nenhuma (…) Porém, a uns passos do buraco, abre-se a verdadeira entrada, coberta por uma camada de musgo, que eu posso levantar: se há neste mundo alguma coisa segura é este lugar.»

quinta-feira, 8 de março de 2012

JOGO


dentro do pavilhão, as vozes comem golos e vociferam com as derrotas. é uma forma de transpirar os desassossegos do dia. quando o relógio nos mostra que o cansaço é o capitão do nosso corpo, vamos para o balneário e despimos os nervos.

quarta-feira, 7 de março de 2012

NUVENS


lá fora, o portão de entrada faz barulho. parece um rinoceronte a namorar. dentro de casa, puxo os cobertores até às orelhas e espreito os suspiros da noite. quando o silêncio é imaculado, engulo o cansaço e adormeço. instantaneamente, o meu corpo salta para um miradouro, onde vejo as nuvens a espremer a tristeza. entristeço-me. não gosto de sugar os aromas da desilusão. mas o vento da comédia agasalha a minha língua com anedotas. por causa desses raios de sol, o céu azul desce até à terra.

terça-feira, 6 de março de 2012

ONDAS


Ao fundo, aos saltos, as ondas espreitam as nossas bocas. Como não sabem ler gestos, as obstinadas sobem a rua e enchem os buracos com ansiedades. Os nossos olhos, ligados às correntes do dia, sugam os desígnios do mar. Sorrimos. Não estamos habituados a ser estrelas. Por fim, quando o horizonte constrói a noite, erguemos os corpos e contamos à água o nosso segredo: "A luz do amor incendiou os nossos beijos."

segunda-feira, 5 de março de 2012

MANHÃ


levo a noite para a cama dos sonhos e desperto a aurora. ao ver o meu gesto, o azul do céu mistura-se com o amarelo. os senhores dos galinheiros, amedrontados com as cores do paraíso, libertam o silêncio da voz e empinam os pescoços. é uma forma de exigir que o sono não fuja dos corpos. perto das cabeças das construções, os olhos sonolentos cospem impropérios aos imperadores. mas a sapiência aprendeu a não responder a desaforos. indiferente a estas insignificâncias, a manhã pontapeia as estrelas e afaga as nuvens.

domingo, 4 de março de 2012

RUAS

os bolsos dançam com o silêncio e os beiços mergulham na tristeza. esta é a realidade das ruas.

sexta-feira, 2 de março de 2012

NOITE

a noite caiu. abro a janela e meto a cabeça a espreitar a rua despida de vozes. parece que o navio do silêncio levou a algazarra do dia. encosto os cotovelos no parapeito e conto estórias às nuvens. é uma forma de me sentir acompanhado. mas o som dos sinos da igreja diz-me que os olhos já deviam de estar fechados. fecho o rectângulo e meto-me nos sonhos como quem beija uma fonte.

quinta-feira, 1 de março de 2012

SUGESTÃO


Este é um pequeno livro de Filosofia sobre a origem e as consequências do mal, que tenta explicar por que razão a acção de um homem com poder que humilha outro, retirando-lhe direitos, confere prazer interior a esse homem. A motivação do autor prende-se com o facto de, por exemplo, um ministro que corta do orçamento as verbas para transplantes estar indirectamente a contribuir para a morte de vários indivíduos, sem, no entanto, alguém poder dizer que esse ministro era um homem mau. Mas, na verdade, as consequências do seu acto têm o mesmo efeito de um assassínio. Livro polémico, que nos ajuda a perceber que o mal não é só aquilo que pensamos.