quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Ler


Ter e Não Ter é uma história dramática de Harry Morgan, natural de Key West, e da sua luta para ganhar a vida e manter a família. Harry, dono e piloto de um barco de aluguer para expedições de pesca, é obrigado durante o período da Depressão dos anos 30 a traficar imigrantes chineses e bebidas alcoólicas ilegais de Cuba para a costa americana. As suas aventuras fazem-no envolver-se com gente abastada e dissoluta do mundo dos desportos náuticas, e viver uma estranha e improvável história de amor. Cruelmente realista, Ter e Não Ter, que retrata uma das mais subtis e comoventes relações amorosas de toda a obra de Hemingway, é uma grande romance de aventuras como só ele os sabia escrever.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Passagem de ano


Desejo-vos uma excelente passagem de ano

Tudo de bom ;)

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Inevitável


Durante o bulício do mastigar, o telefone atira-nos um estremecimento que nos causa susto. Deixo cair a colher por isso, que embate com violência no lombo assado, e pinto sobrolho com nervos. Mas antes que a minha língua dispare uns impropérios azedos, ela ergue a surpresa e estica o braço direito para agarrar o telefone, que dança sobre o sofá de pele, "Estou sim, quem fala?", e vejo-a a enrugar a cara, "Estás a falar a sério? Estás a falar a sério?", e vejo os sentimentos a escorrerem pelas montanhas, "Porra, que munfo!", e atira o telefone contra a triste parede, "O que foi?", "Morreu quem não devia ter morrido", e desmaia.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Meia-noite


A lareira cospe-nos um calor agradável. Por tal facto, espreguiçamos umas teorias macilentas que se perdem na incompreensão, assim que as últimas palavras se atiram dos lábios para os ouvidos, ao mesmo tempo que a bola de pêlo sacode com a pata esquerda o sono dos olhos vermelhos. Na televisão, os corpos taciturnos deambula numa cidade sem amor, porque as mortes surgem a cada esquina. Mas assim que a meia-noite alerta o cuco, as nossas vontades atiram-se para a árvore de natal, que estica o medo no rosto, desligando a incompreensão do rectângulo.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Desejo-vos


Desejo-vos umas santas festas

E cuidado com os chocolates ;)

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Sugestão


Há cerca de dois anos, por alturas do centenário da morte de Hemingway, o seu filho Patrick decidiu publicar-lhe um romance inédito, ou melhor, pegou num manuscrito não revisto, com mais de 800 páginas, e fez dele uma versão reduzida. É esse inédito que agora nos chega em tradução portuguesa, e que dá pelo título de "Verdade ao Amanhecer".

É sabido que Hemingway trabalhava com grande rigor os seus originais e os reeescrevia por diversas vezes. Daí que a qualidade estilística deste romance não será certamente a sua melhor. Mas os temas essenciais que perpassam pela sua obra, sobretudo a dos últimos tempos, estão lá. Uma caçada ao leão na última das suas viagens à África Oriental, com a sua quarta mulher, Mary Welsh, em 1953, traz à tona um motivo que lhe é caro: o papel da violência na sobrevivência do homem, aqui no ambiente natural da caça, rito ancestral, de sangue e sobrevivência, que manifesta ao mesmo tempo um profundo respeito pela vítima, que coloca o homem e as suas fragilidades, mas também as suas forças, frente à morte. E ainda a camaradagem, a paixão pelo carácter forte, a admiração pela dignidade animal.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Despertadores atrevidos


Como é hábito, o despertador preto estremece a algazarra há hora habitual. Levanto a pálpebra do olho esquerdo e vejo o borrão vermelho a gritar comigo. Mas assim que a minha paciência se esgota, dou-lhe um murro no coração, que o faz esconder a gritaria no silêncio. Fecho a persiana e alargo o sorriso, ao mesmo tempo que o despertador do meu vizinho cospe-me com uma música deselegante, “Não tenho sorte nenhuma!”.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Sentimento


Rastejo o cansaço pelos corredores abarrotados de cabeças, que salivam necessidades de consumir o que não precisam, mas não encontro o sentimento que desejo oferecer. Pouco depois, salivando desesperos, sento-me numa cadeira que pestaneja aborrecimentos. No mesmo instante, dois corpos muito desiguais calcorreiam devagar a cerâmica, “Sente-se aqui mãezinha. Está muito cansadinha”, “É verdade, menino, é verdade. Tenho o corpo que nem de um morto”, “Deixe-se de tontices, mãezinha. Olha, quer alguma coisa?”, “Um bolinho e um chã”, e desaparece, ao mesmo tempo que sorrio.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Ler


Esta é a história de uma amizade que começa em 1987, quando o narrador, um jovem aspirante a romancista, parte para uma universidade do Midwest norte-americano e conhece Rodney Falk, um veterano do Vietname, intratável, ferozmente lúcido e corroído pelo seu passado. Mas esta é também a história de uma experiência radical no abismo indecifrável do mal e da culpa, que o narrador apenas conseguirá compreender e assumir anos mais tarde, como uma fulguração, quando conhece o sucesso e o que ele acarreta de corrupção. Será então que a figura vaga (confusa, imprecisa) de Rodney e a sua história devastadora acabam por se impor com a força e a emergência do necessário, como um marco da sua própria história e da própria condição humana.
Com uma escrita de uma transparência enganadora e um enredo que não dá tréguas ao leitor, A Velocidade da Luz esquadrinha a nossa capacidade ilimitada para causar estragos, a infinita estupidez da guerra e a infinita estupidez do êxito, mas, e sobretudo, o poder definitivo da literatura para enfrentar a realidade e os seus demónios.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Bagaceiro errante


Está um frio que corta pensamentos, nesta manhã sorridente. E pelo facto, entro numa pastelaria cheia de sonhos. Escolho um e peço um café, enquanto sacudo a manta que me arrefece. Subitamente, surge do meu lado direito um magricela, “Um tirinho, senhor”, a exigir ao funcionário. De nariz nervoso, o bom homem pega numa garrafa e despeja um liquido pestilento num copo, “Basta cheio”, atira-lhe o desdentado, “Aqui está”, e coloca-o sobre o balcão. E sem que nada fizesse esperar, arremessa todo o conteúdo à boca, num gesto de bagaceiro errante.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Amizade


A máquina de botões desliza a minha pressa no alcatrão que boceja. Porém, numa recta, junto a uma estação de serviço, reduzo a minha aflição até a estancar ao pé do vendedor de fruta, que bufa ventos nórdicos do corpo, “É o costume, caro amigo”, “Sim, sim, o costume”, e pousa-me um saco de maças nas mãos frias, “Quanto lhe devo?”, deixa cair um sentimento, “A tua amizade sentida”, atiro os cantos da boca para o paraíso, “Trouxe-lhe uma garrafa de aguardente”, e abraçamo-nos como infantes.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Bicho com hábitos


Em cada esquina há uma sombra com asas, que nos morde a tristeza espraiada pelo corpo; em cada esquina existe um fantasma, que nos engana a sensibilidade com uma mentira interesseira. Porém, os corpos imaculados escorregam sempre o choro nessas águas, porque o corpo é um bicho com hábitos.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O peixe


Junto ao farol, vejo os peixes a morrerem nas canas dos pescadores, que borrifam impropérios para a maresia – como se fossem gritos de felicidade – e vejo as reminiscências do castelo nas pedras amontoadas com elegância, enquanto que as ondas me varrem os pensamentos sem sustento, provocando um bulício ensurdecedor sobre as rochas deselegantes. Subitamente, por entre o inferno das águas do rio e do mar, um peixe pardacento atira-se aos meus pés. Encorrilho o medo, “Não fujas, humano”, e arregalo a admiração, “Não morras na praia, porque tu mereces o céu”, e morre nas mãos de um bojudo, “Este é dos gordos, malta”.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A união


A solidão parece uma noite, quando ele acorda para o mundo. Porém, a bola de pêlo que mia, esgadanha a tempestade taciturna, como se procurasse o sol nas profundezas da noite. E como se o impossível navegasse no desleixo, o véu da felicidade beija o rosto do infeliz. E foram felizes para sempre.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Lembrem-se


Lá fora, o vento e a chuva cospem desesperos contra as fachadas, que são mais furadas que o queijo Suíço. Aqui dentro, o bafo de suão borrifa-me o rosto com vermelhos muito carregados. E é com esta carícia, que o meu corpo salta para a felicidade, que está abraçar o negrume dos taciturnos. Pouco depois, volto a sentar-me no sofá, abrindo desmedidamente os olhos. E deles recebo da caixa que fala a seguinte informação, “Não use só o natal para nos ajudar”.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Ler


Neste livro o leitor encontrará um dos trabalhos mais importantes de Sigmund Freud, retirado da edição brasileira das suas obras psicológicas completas. O texto desse trabalho passou por uma nova revisão, a fim de se chegar o mais perto possível daquilo que seria o texto original de Freud. Além das notas escritas pelo próprio Freud, permanecem os comentários que trazem esclarecimentos importantes sobre a sua obra. O texto é apresentado numa nova diagramação, com o objectivo de tornar a obra de Freud mais clara e acessível ao iniciante ou ao leigo.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Mãos sem amor


Coloco o corpo a deambular por entre as prateleiras de comida, que está empacotada em saquinhos de publicidade. Mas a minha mente obriga-me apenas a pegar no que preciso. Pouco depois, com o beiço satisfeito, largo duas notas no bolso da caixa registadora e abandono a estufa bilionária. E quando coloco a ponta do nariz na neve, várias mãos sem amor pedem-me conforto, “Levem tudo”, digo-lhes com suavidade, enquanto que os sacos voam para longe.