terça-feira, 31 de julho de 2012

SIMPLES

A morte é a primeira noite sossegada.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

O FIM

Os ponteiros do relógio avançam. Não há pausas nem hesitações na decisão de correr para o futuro, de encurtar a distância entre o agora e o daqui a pouco. E isso, para os nervos da flor, para o corpo que recebe o vestido branco com pérolas de amor, é um sacrilégio avassalador. Não é de estranhar, portanto, que os braços da noiva vociferam exigências e indicações para os convidados, para os funcionários: para os pobres homens que correm com pratos nas mãos. Os ponteiros do relógio avançam. São duas indicações que procuram a noite. E ela, a dançar ao ritmo do Emanuel, aparece ao fundo do dia. É então que a noiva, exausta mas feliz, beija os rostos cansados e abraça os ombros das crianças, como se indicasse que o próximo passo será aquele.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

O TEU DIA

O dia cresce e os nervos aumentam. Quase que tocam no absurdo. Mas tudo é desculpável, tudo, porque amanhã, pela manhã, o véu estará encastrado naquela cabeça, que agora só diz disparates, só vocifera, só amua, e nos olha como se fosse o cano de uma espingarda. A mãe, coitada, anda perdida no meio da cozinha e esquece-se de tudo. O pai, a sorrir, está a fumar e a olhar o horizonte. Talvez esteja a esgravatar na terra dos anjos uma lucidez que o oriente, que lhe diga que o fato tem de ter uma gravata. A brilhantina a lamber o cabelo fica ao critério, pelo menos o avião, que acentua a linha que divide o céu e a terra, é apologista disso. As irmãs, sentadas no tanque de pedra, abanam as pernas e dizem anedotas. Por vezes cantam músicas conhecidas e dizem coisas de adolescentes. Ao pé delas, de braços cruzados, estou a escrever na memória um texto para o teu dia. Mas apenas me surge esta frase: “Faz da união uma Primavera, um beijo que te ajudará em tudo.”

quinta-feira, 26 de julho de 2012

SUGESTÃO

Estão aqui reunidas as cinco «Histórias de Petersburgo» - «Avenida Névski» (1834), «Diário de um Louco» (1834), «O Nariz» (1836), «O Retrato» (1841) e «O Capote» (1841). Acrescentou-se «A Caleche» (1836), pequeno conto que alguns autores integram neste ciclo. Trata-se do chamado «segundo período» da obra do autor, que se seguiu ao período das histórias ucranianas - «Noites na Granja ao pé de Dikanka» e «Mírgorod». Estes contos do fantástico-real (ou real-fantástico), integrando o humor e a sátira inconfundíveis de Gógol, tiveram grande influência no ulterior desenvolvimento da prosa literária russa e, também, no de todas as literaturas ocidentais. A modernidade das propostas de Gógol continua mais viva do que nunca nestas histórias em que a personagem principal é a cidade de Petersburgo: mesquinha, sufocante, ridícula, irrisória e ilusória. «O que é um facto é que o comprido e sensível nariz de Gógol descobriu novos odores na literatura (que conduziam a um novo frisson). Como diz o provérbio russo "o homem que tem o nariz mais comprido vê mais longe"; e Gogol via com as narinas. O órgão que nas suas obras juvenis era apenas um acessório carnavalesco encontrado nessa loja de adereços baratos chamada "folclore", revelou-se, no auge do seu génio, o seu mais importante aliado.»

SIMPLES

A crítica aos costumes é feita pelos sorrisos.

terça-feira, 24 de julho de 2012

SIMPLES

A felicidade é não ter medo.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

MODA

As asas saem-me das costas com violência e levam-me até ao café do alto, onde as roupas da moda, desenhadas pelos senhores de Itália, esticam a preguiça todas as noites. Não tenho nada para mostrar, não tenho palavras ocas para dizer, mas estou curioso em conhecer a praça do prazer porque a cidade não fala de outra coisa. Quando entro no rectângulo, vejo gente vestida como nos filmes de ficção científica, a abrir muito a boca, a mover muito os braços, a mexer muito as pernas. Peço um café a um empregado franzino, que tem o cabelo às cores, enquanto pouso os cotovelos no balcão. Alguém me diz, a medo, que o gesto não é bonito. Perco o sorriso e engelho o rosto. Mas o cheiro do café diz-me para ter calma. Agarro então na colher e movo o líquido escuro, “Pst! Pst!”, olho para a direita. Perto de mim vejo a origem da aflição, “O que deseja?”, pergunto ao velho bojudo, “O senhor tem uma roupa esquisita! Quem a desenhou?”, “A loja da esquina. Aquela que ladeia a tasca do Manel, “Pobre! E que falta de gosto!”, e foge. O dono do café, homem forte e elegante, aproxima-se das minhas orelhas. A fotografia que saiu no jornal do burgo é fiel à anatomia. Pouso a chávena e aguço-as, porque o janota abre a boca: “Você não está na moda! Devia de ter vergonha”, “Sinto-me bem com esta roupa”, “As pessoas, no entanto, não têm a mesma opinião”, “Pouco me importa a opinião dos outros”, depois de uma pausa, o elegante chama dois gorilas, “Não é preciso incomodar-se”, deixo uma moeda sobre o balcão e desapareço. Aquele espaço, cheio de futilidades, é uma sombra no meio do escuro.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

SUESTÃO

Um Crime na Exposição retoma alguns dos personagens criados nos anteriores livros do autor, nomeadamente a dupla de detectives da Polícia Judiciária, Jaime Ramos e Filipe Castanheira. É precisamente o primeiro deles que, vindo do Porto e "exilado"em Lisboa durante a realização da Expo'98, se confronta com uma série de crimes ocorridos no recinto da última exposição mundial do século: os cadáveres de um biólogo açoriano apaixonado pelos rocazes, de uma oceanóloga mexicana interessada em gastronomia e de uma arquitecta paisagista ninfomaníaca aparecem como manchas que perturbam a visão de um mundo reunido em redor dos oceanos e da celebração de Lisboa como cidade da modernidade e do futuro. Construído como um divertimento em torno do policial Um Crime na Exposição não deixa, no entanto, de transportar os temas habituais dos livros de Francisco José Viegas : a Solidão dos homens, a crítica subtil ao Portugal pequeno-burguês e convencido da sua importância, os perigos da paixão, a arrogância do mundo da "cultura" e o conjunto de perdas que a civilização vai sujeitando os homens que procuram aceitar o seu destino sem heroísmo nem hipocrisia. Uma escrita maior, que parodia a própria literatura nos seus vícios e vaidades, e que confirma o seu autor como uma das vozes mais originais da ficção portuguesa de hoje.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

SONHO

Tenho o corpo ao sol, ao pé do farol. As gotas de suor, pequenas poças de cansaço, contornam-me o rosto e fazem-me carícias, relembrando-me que tenho sede do sonho que há duas semanas me invade o sono.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

VIDA OCA

Não possuímos nem o corpo nem uma verdade, nem sequer uma ilusão. Somos fantasmas de mentiras, sombras de ilusões, e a nossa vida é oca por fora e por dentro.

terça-feira, 17 de julho de 2012

COMPRAR ALEGRIAS

Desprendo-me do sono, usando gestos anárquicos e violentos. Depois saio da cama e vou para a varanda, onde espio a manhã. O céu, uma mão coberta pela cor da paixão, brinca com as aves. Mas na rua, larga e extensa, a tristeza passeia-se sobre o empedrado. Parece que aqueles corpos precisam de políticas mais animadoras. Ou de políticos que saibam que os subsídios são para comprar alegrias.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

ENVELHECER

Quero ler as receitas da minha avó, que estão metidas nas gavetas da cozinha. Com sorte descubro a fórmula para não envelhecer.

domingo, 15 de julho de 2012

sexta-feira, 13 de julho de 2012

PROCUREM-ME NESTA PÁGINA

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SUGESTÃO

«Livro absolutamente inolvidável por mais anos que se viva. Ou, de outro modo, um livro para a eternidade.» Miguel Real, JL «É um livro cheio de fantasmas, fantasmas dos Lusíadas, fantasmas do homem contemporâneo, uma viagem, uma anti-epopeia, e é um livro extraordinário. Estou convencido de que dentro de cem anos ainda haverá teses de doutoramento sobre passagens e fragmentos». Vasco Graça Moura, TVI24 «Trata-se, como sempre em Tavares de um texto inteligente, brilhante mesmo […]» Pedro Mexia, Público

quinta-feira, 12 de julho de 2012

PAI

As lágrimas do meu pai empapam-lhe as curvas da “juventude”. Não diz velhice; não diz que o tempo é uma praga para o corpo. Diz apenas “juventude” quando fala dos velhos ou das traquinices que faz no café da esquina, onde param os amigos das patuscadas. Beijo-lhe a humidade e digo-lhe “parabéns”, entregando-lhe um embrulho, “O que andaste a tramar?”, “Abre”, é o que ele faz. Aos poucos, a palavra amo-te é desembrulhada.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

ROUBO

O dia enfraquece e a noite, cheia de olhos que parecem estrelas, ganha um pulmão do tamanho do céu. Desligo o motor. Fecho a porta da garagem e janto. Foi feijoada. Com os pés no passeio, que carregam algumas das histórias da cidade, olho para os vultos que dão voltas e mais voltas às notícias dos jornais, porque as divergências de interpretação são duas tempestades aos gritos. Perto do rio, paro. O cheiro do frio acaricia-me o rosto, mas os jagunços das sombras regam-me de cólera: “A minha carteira!”

terça-feira, 10 de julho de 2012

AO PÉ DA CAMA

Sentado defronte da janela vejo a solidão a percorrer as ruas da cidade. Nas fachadas dos prédios estão cabeças a olhar para a noite; estão buracos pretos a olhar-me. Fico atónico. Detesto que me observem. Mas saio do miradouro quando fico com os nervos irritados. Ao pé da cama, atiro o corpo para os sonhos, onde os beijos das mulheres são desejos excitados.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

TARDE

Os beijos do sol enfraquecem. A tarde, envolta com o azul do céu, abandona a cidade. Prepara-se para dormir. Os candeeiros públicos, sujos e imundos, acendem-se. Os rostos das lojas, dos carros, das casas, fazem o mesmo. A corrente artificial, aos poucos, mostra aos olhos dos homens os lugares que se escondem na sombra.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

PRAÇA

E paramos na Praça dos Leões, onde o silêncio barra a solidão e as teias da aranha afogam o busto do patriota, que descansa num dos topos do paralelepípedo boleado. Ao pé dele, as tábuas dos bancos namoram com as rosas vermelhas. Os espinhos, compridos e largos, estão deitados no jardim mal cuidado. A rodeá-los estão as fachadas das casas. São paredes simples, repletas de janelas e de portas taciturnas, com flores de pedra a salpicar os contornos das aberturas. Dentro delas é provável que haja palavras irritadas, gestos desesperados, amores-perfeitos. Ou nada. Ou quase nada. Ou espaços despidos dos aconchegos das rendas, dos mimos dos móveis, dos sussurros dos passos. Dentro delas tudo é provável, tudo é previsível.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

SIMPLES

O que há de mais reles nos sonhos é o convívio com o inacessível.

terça-feira, 3 de julho de 2012

SIMPLES

A Natureza inteira é a primogénita da minha sensação.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

CREPÚSCULO

O calor pontapeia-me o corpo. Destrói-me o discernimento. E por isso perco a coerência. Mas o lombo das montanhas, que recortam o horizonte em ziguezague, dizem-me para me encostar às sombras. É o que faço quando encontro eucaliptos a salpicar o rosto. Pelo menos é o que me pareceu o conjunto de pedras sobre o cume na altura em que percorria o vale. Adormeço. A meio das brumas vejo os romanos a empurrarem pedras gigantes com a força dos braços. Hoje, todas as máquinas do mundo, todas as cabeças do mundo, não ergueriam a mesma história, a mesma paisagem, a mesma civilização. Na retaguarda dos músculos estão os senhores, os arquitectos e os filósofos. Atrás destes está a comida. O mar de fruta constrói uma serenidade, embora surja, por vezes, uma onda maldita. Talvez a irregularidade do caminho, que é largo e extenso, possa ser a causa dessa brusquidão. Acordo. Ao fundo, o céu está vermelho. É um vermelho desbotado, porque a noite vai escondendo o crepúsculo.