quinta-feira, 27 de setembro de 2012

FÚRIA

O céu lançou água para o prédio e a inquilina, que vive no último andar, berra com o condomínio porque a humidade estragou-lhe as fotografias. Os tipos, de orelhas baixas, dizem-lhe que os caleiros estão desentupidos. Mas a mulher afirma que a culpa é das frinchas da platibanda. O empreiteiro, contratado há um mês para arranjar o telhado, estrebucha, pontapeia a parede e afirma-lhe que não pode ser. Quem terá razão?

terça-feira, 25 de setembro de 2012

CHUVA

A manhã acordou com chuva. Não é uma chuva qualquer, porque de cima vem pedras do tamanho de mãos. O Outono, pelos vistos, já afugentou o Verão; já pontapeou o calor e as estrelas; já disse à floresta que o verde não é uma cor bonita. O frio, outra sombra dessa estação, penetra nas paredes e arrefece a casa. E isso faz-me sentir incómodos, faz-me ter tristezas e lágrimas. Mas a lã, alojada no fundo das gavetas, guarda-me o corpo dos maus agoiros. Por causa disso, os meus lábios fazem vincos que se encaixam na felicidade. É então que desço as escadas para viver a vida com outra energia.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

SUGESTÃO

Gaibéus, que são os jornaleiros da província portuguesa do Ribatejo ou da Beira Baixa que vão trabalhar nas lezírias durante as mondas, é o primeiro romance de Alves Redol e inaugura, em 1939, o neo-realismo em Portugal. Retrata "um povo resignado que luta afincadamente durante o tempo quente, antes da chegada do Inverno, em condições extremas para fazer render os poucos cobres que lhes pagam por tamanha dureza. Por um lado o trabalho árduo de sol a sol, as doenças (malária), a fadiga e a teimosia em cada vez se fazer o trabalho mais rápido para mais rendimento obter, a sede, a fome, a pobreza extrema. Por outro lado, o modo como preenchiam as escassas horas de lazer, os sonhos de uma vida melhor, os projectos sem logro, o vinho para alegrar os espíritos. As mulheres ainda sofrem de outro tipo de exploração, sendo sujeitas aos caprichos do senhor das terras que as escolhe para os seus prazeres carnais." A obra marca o estilo inaugural de Redol, autor marxista-leninista que procura através das palavras denunciar as desigualdades sociais e a exploração do homem pelo homem.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

DOURO

A tarde está quente. Não há memória que descubra um bafo como este. Mas as mãos, repletas de cansaço e de sujidade, continuam a mexer nas vides como se mexessem nos rostos dos meninos. O patrão, sentado na cadeira de palha, bufa no entanto com as “mandrionas”. Algumas delas dão-lhe troco. Singelo, é certo, porque o bojudo pode, no início da noite, não lhes dar o tostão. Indiferente aos bulícios dos montes, o rio galopa o vale. Parece que o comboio, estacionado perto do horizonte, disse-lhe que a partida está para breve. Sorrio, pois admiro a pontualidade.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

SIMPLES

Procurar o porquê das coisas que sucedem leva-nos a encontrar e a entender os factos que se sucederão.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

DIA MUNDIAL DO TEATRO

O teatro surgiu a partir do desenvolvimento do homem, através das suas necessidades. O homem primitivo era caçador e selvagem, por isso sentia necessidade de dominar a natureza. Através destas necessidades surgem invenções como o desenho e o teatro na sua forma mais primitiva. O teatro primitivo era uma espécie de danças dramáticas colectivas que abordavam as questões do seu dia a dia, uma espécie de ritual de celebração, agradecimento ou perda. Estas pequenas evoluções deram-se com o passar de vários anos. Com o tempo o homem passou a realizar rituais sagrados na tentativa de apaziguar os efeitos da natureza, harmonizando-se com ela. Os mitos começaram a evoluir, surgem danças miméticas (compostas por mímica e música). Com o surgimento da civilização egípcia os pequenos ritos tornaram-se grandes rituais formalizados e baseados em mitos. Cada mito conta como uma realidade veio a existir. Os mitos possuíam regras de acordo com o que propunha o estado e a religião, eram apenas a história do mito em ação, ou seja, em movimento. Estes rituais propagavam as tradições e serviam para o divertimento e a honra dos nobres. Na Grécia sim, surge o teatro. Surge o “ditirambo”, um tipo de procissão informal que servia para homenagear o Deus Dioniso (Deus do Vinho). Mais tarde o “ditirambo” evoluiu, tinha um coro formado por coreutas e pelo corifeu, eles cantavam, dançavam, contavam histórias e mitos relacionados a Deus. A grande inovação deu-se quando se criou o diálogo entre coreutas e o corifeu. Cria-se assim a acção na história e surgem os primeiros textos teatrais. No início fazia-se teatro nas ruas, depois tornou-se necessário um lugar. E assim surgiram os primeiros teatros.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

FALTA DE MIMO

Ao pé da porta, a minha mão faz abanar a aldraba de ferro forjado. O grito da peça, ao contrário do esperado, é uma onda que afoga as casas das cidades. Mas o vento embate no incómodo e empurra-o para lá da praça. Por causa deste gesto, o silêncio repovoa o empedrado e dá as boas-vindas aos braços do sol, que varrem as sombras com vassouras ternurentas. Ao vê-los a usar a doçura para impor uma imposição, cozinho um sorriso a lume brando. Não estou habituado a ver estas coisas. Quando o perco, descubro sobre a padieira algumas peças de ferro que formam pedaços de palavras: “La da Sudads”, e vejo que estão cheias de gotinhas que saltaram das mãos da madrugada.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

CANSAÇO

O brilho da lucidez entre no pensamento dos tristonhos, como se os braços do sol entrassem nas nuvens pardacentas. Talvez por isso, as razões vieram para a rua. O governo, escondido no meio do memorando, diz que não existem alternativas. A oposição, de megafone, afirma que é falso. E para provar ao país que não é bem assim, apresenta, com eloquência, uma centena de opções. Nenhuma, no entanto, satisfaz os senhores do poder. E dizem, a viva voz, que não aceitam demagogias nem postas de pescada de ninguém, muito menos de indivíduos sem cérebro. A resposta não se faz esperar. Mas o governo não fica atrás. O país, farto deste jogo, vai perdendo a paciência, vai percebendo que o grupo é todo igual.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

SUGESTÃO

Em 1941, os ingleses temiam que Hitler, depois de subjugar a França, avançasse para a Península Ibérica. Receando essa invasão e desconfiando das intenções de Salazar, decidiram montar em Portugal uma rede clandestina que deveria destruir pontes, estradas e outras infra-estruturas para travar as tropas nazis. Com esta difícil missão, foi enviado para Lisboa um agente do SOE, o serviço de operações especiais britânico encarregue da «guerra não cavalheiresca». John Grosvenor Beevor instalou-se em Lisboa e recrutou os elementos desta rede constituída por ingleses e portugueses, entre os quais vários funcionários da empresa Shell e personalidades como o barão de Vilalva ou Cândido de Oliveira, mais tarde fundador do jornal A Bola. Mas quando Beevor decidiu convencer a Legião Portuguesa a alinhar nos seus planos, Salazar depressa reagiu. O ditador estava atento aos propósitos secretos de Londres. Traição a Salazar reconstitui com minúcia uma história de intrigas e conjuras, de espionagem e contra-espionagem, uma conspiração que pôs em causa a mais antiga aliança diplomática do mundo.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

CANSAÇO

Quando o cansaço morde a vista, a solução é dar uma volta nas ruas da cidade. Se mesmo assim não funcionar, é fundamental dançar com o sono.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

REVOLTA

As palavras ficam na toca do pensamento quando a maldade da vida chicoteia o desânimo que brota das mãos da multidão. Mas a revolta, essencial para impor a ordem democrática, deve seguir a rota da rua, porque é com ela que as vozes são ouvidas.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

SIMPLES

Se um homem cair e não mais se levantar é sinal de que ficou sem duas pernas ou sem uma vida.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O GATO

Na cozinha vive-se a noite com indiferença, pois as panelas exigem dos olhos muita atenção. O gato, matreiro, dá uma marrada na porta de madeira e olha o vapor que sai do fogão. Depois lambe os beiços e mastiga um desejo, “Põe-te no carago! Não te quero ver a cheirar o que é meu”, o velho, de costas ligeiramente curvadas, faz da voz um martelo. O bicho, cabisbaixo, dá meia volta e pisa o chão da terra.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

FIM

Na praia, onde as crianças pedem gelados aos pais adormecidos, estico pela última vez a toalha. Para o ano haverá mais bronzeador e mais brincadeira; haverá mais batota e mais conversa com os peixes que fogem das minhas mãos; haverá mais lanches ao pé do crepúsculo. Vou até ao mar. A água está fria, como qualquer praia do norte, mas deixo que as pernas massagem as costas das ondas e pontapeiam os braços das algas. Por fim obrigo-as a voltar para o aconchego do tecido, que tem estampado no rosto os contornos da minha amada. E vejo, ao longe, um barco à vela. É então que me lembro do sonho, sonhado no dia de ontem: “Como era bom ter uma máquina do tempo!”, mas sei que isso não é possível, que isso só se tem na ficção. Fico um pouco irritado, enquanto arrumo as minhas coisas. A noite aproxima-se.