quarta-feira, 31 de agosto de 2011

DOURO


Ao fundo, as vindimas penteiam as costas da montanha, enquanto o vento acaricia os cachos e as folhas, que desenham perpendicularidades ao rio Douro. O somatório destas vírgulas constrói na minha voz uma palavra impossível: perfeição. Mas as excepções são manifestos da utopia, são manifestos dos sonhos, “Bebe vinho?”, pergunta-me uma mão, “Não, obrigado. Prefiro desenhar o dia na adega do meu cérebro?”, “O quê?”, “Nada, nada. Não bebo bebidas alcoólicas. Obrigado”, e o desconfiado olha-me com azedume, como se me achasse um louco da noite.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

FÉRIAS

O meu corpo cospe cansaço. Acho que ele precisa dos beijos das ervas ou da areia. Ou será que precisa de um chicote? Fico-me pelas massagens da ternura.

DANÇA

A música esbofeteia-me os ouvidos, como se fossem razões de um vulcão. Mas a voz do touro sobrepõe-se ao impossível, “O gajo tem cá um grito!”, e todos os risos viram-se para dançarino, que apenas mexe a anca.

domingo, 28 de agosto de 2011

SOL

O sol perfura a janela e embate na televisão. Movo a cabeça para um lado e para outro, mas não os vejo as tartatugas, "Que chatice!", levanto-me e mordo os braços do manhoso.

sábado, 27 de agosto de 2011

MEMÓRIAS

Coloco os pêlos do nariz no vidro da janela e revejo as memórias a morder as costas das montanhas, onde o Verão incendeia a crista das folhas.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

SUGESTÃO


Uma obra clássica, intemporal, de uma das mais ilustres figuras da literatura mundial. Com Prefácio de António Lobo Antunes

«Este livro tão breve, uma das maiores obras-primas do espírito humano, tem sido, desde a sua publicação, um motivo de controvérsia para a crítica: trata-se de uma obra sobre a morte ou de uma obra que nega a morte?»
António Lobo Antunes

Lev Tolstoi (1828-1910) escritor Russo do século XIX, é uma figura maior da literatura mundial. Nascido numa família nobre, órfão aos nove anos, foi educado por preceptores. Das suas obras destacam-se "Guerra e Paz" (1863), "Ana Karenina" (1875), "A Morte de Ivan Ilitch" (1886) e "Ressurreição" (1899).

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

SIMPLES

Há quem demore anos a pensar num se. E se fosse um sim ou um não? Talvez a vida toda.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

ESCRITOR


Hoje é o 112.º aniversário de um dos maiores escritores do século XX. Quem será?

APOLOGIA DAS TELENOVELAS

A noite empurra o dia, como se o criminoso empurrasse o incauto. Mas no bar do Tone, que é a garganta que nos acompanha nos arrotos e nas bebedeiras, não há magias semelhantes, “Ó Zé, desculpa a demora. O caralho do gato mijou-me as calças e...”, “Não faz mal, pá”, coloco a preguiça na antiguidade e penteio o cabelo com as mãos, “Estás com as trombas fodidas, meu! O que se passa?”, “Apetece-me dar umas lambadas na minha mulher, meu. Ela parece uma tola! Foda-se, a sério, não percebo o fascínio dela pela merda das telenovelas. A tua gaja também tem a mesma paranóia?”, “Nem por isso”, iço o cansaço e peço uma mini gelada. Tenho a garganta seca, “Quando chega a hora de a caçadeira disparar disparates, ela aponta o comando para o rectângulo e liga a televisão. A partir daí o mundo deixa de existir. Ainda lhe atiro o isco para a salvar, mas ela sacode-o até o desfazer”, “Pois, tens que ter calma”, “Puta que pariu a minha sorte. Essa merda dói, meu. Dói muito. Nem te passa pela cabeça como me sinto mal com a situação”, ele dá um murro nas costas da mesa, da mesma forma que eu cabeceava as ideias dos meus inimigos, nos tempos em que as espinhas me furavam a cara...

(a convite do Paulo Kellerman, reescrevi a Apologia das Telenovelas. É certo que a base do texto está aqui, mas o meu cunho e a minha identidade estão patentes em cada palavra. Por isso o remix...dentro de semanas haverá novidades, no que respeita à publicação)

terça-feira, 23 de agosto de 2011

APENAS

As galinhas mordem-se umas às outras, enquanto os galos apanham sol.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

MAR

Com os cabelos a verem os olhos da noite, beijo as ondas do mar, que dançam com os vultos no areal. Agarro-me a um sorriso e deixo que uma lágrima me inunda a sensibilidade, porque não há nada mais bonito do que sentir os abraços do natural.

domingo, 21 de agosto de 2011

Frase

o dia tranforma-se em noite, como se o beijo mordesse o calcanhar dos tolos, enquanto as pedras caem sobre a cidade.

sábado, 20 de agosto de 2011

Excerto: texto juvenil

Tento ouvir a sua voz, mas ele não mexe os lábios. Talvez seja surdo. Talvez não goste de falar com estranhos. Talvez a língua não saiba mexer-se. Talvez não saiba o que dizer. Talvez, talvez… Chega de suposições! É um tipo estranho, com uma língua estranha, e pronto. Está resolvido a confusão. Não há mais invenções. Que mania que esta cabeça tem de julgar as pessoas que não conhece! Até pode ser um tipo porreiro, daqueles que conta piadas e tudo. Mas hoje, por um motivo que não lembra ao diabo, a coisa azedou e a língua murchou.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

TEXTO JUVENIL

Terminei o texto juvenil. Finalmente! É certo que fica a faltar a revisão, mas já me saiu um peso das costas. Ufa!

SUGESTÃO


Há algo profundamente errado no modo como pensamos que devemos viver hoje em dia. Durante 30 anos orgulhámo-nos do contrato social que definiu a vida da sociedade do pós-guerra na Europa e na América - a garantia de segurança, estabilidade e justiça. Tudo isto foi perdendo o seu real significado, revestindo agora em muitos aspectos apenas meras formalidades. Questões anteriormente pertinentes, em tempos até do foro do político, sobre a bondade ou a justiça das coisas, deixaram de ser colocadas. Nesta obra, Tony Judt, um dos principais historiadores e pensadores contemporâneos, mostra como chegámos a este momento confuso. Num texto contundente, descreve o que todos temos sentido e remete-nos em simultâneo para a forma de sairmos desta sensação de mal-estar colectivo.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

AMOR MASTIGADO


As pequenas ondas do mar acariciam-me os pés, que repousam sobre as costas das montanhas. Perto delas, algumas crianças com gritos nas bocas procuram peixes nas lágrimas do mar. Alheios a estes gemidos naturais, um rapaz mastiga os lábios de uma rapariga com a violência dos ansiosos, “Meu amor, minha paixão, és a alma do meu caixão”, “Hummm, meu touro assanhado”, e abraçam e apalpam os corpos apaixonados, “Casa comigo. Vamos construir o ninho numa nuvem elegante”, “Vamos”, e foram para a barraca do divórcio, porque ambos espreitam as privacidades dos desconhecidos.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

ARESTAS

Tenho os chispes como as pedras, porque as arestas dos passeios foram todas calcorreadas.

BEIJOS

Procurem a ave dos beijos na toca da dia.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

FRASE

As sombras produzem mistérios que só as almas imaculadas conseguem decifrar.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

ONDE ESTÁS?


Com os pés sobre as memórias, vejo a algazarra das chapas a perfurar a língua preta. Parecem berros com línguas antigas a mandarem bulir as criaturas amáveis, que abrem o coração nas noites eróticas. Porém, alheio a este arsenal de mentiras, o nevoeiro pinta o dia com desdém. E o que deveria estar a sorrir, está a chorar sem interrupções, “Onde está o Verão, carago? Botei o corpo ao lume durante o ano e nem um beijo do sol tenho direito? Carago, porra para a merda!”, para terminar, as fezes de uma gaivota traquina tropeça nos ombros ressequidos.

domingo, 14 de agosto de 2011

NUVENS


Sentado na marginal dos sorrisos, sopro para as nuvens uma fúria desmesurada. Porém, pouco depois, sinto que a minha vontade se perde nas garras da derrota, porque a minha tristeza atira a desilusão para o areal sem vozes.

sábado, 13 de agosto de 2011

NOVELA

Coloco o corpo na janela e vejo a novela das 22h, que dança ao sabor das curvas da rua que sobe. No cimo da anarquia, está o magote que aplaude.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

MEMÓRIA

analisando bem os meus cheiros, eu sou apenas memória. uma memória que procura mais memória, como se a sua sede fosse a nostalgia.

TELEVISÂO

Os passáros jogam às cartas e bebem cerveja, mas falta a televisão, "Isso é uma seca, meu", grita-me um. Encolho os ombros e concordo.

Juan José Millás

Está para breve a publicação do novo romance do Juan José Millás, com chancela da Planeta. Já estou ansioso.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

FRASE

Abro a porta da pocilga e vejo os corvos a comer os restos dos aristocratas e dos tecnocratas, como se fossem pescadores de mortos.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

FRASE

Coloco os devaneios na cama e abro a janela do mar. Mas o beijo do inferno assa-me a sensibilidade, que cospe uma tosse tísica.

FRASE

O vento cobre a noite com as mãos de um cometa, como se a auréola da cidade fosse uma efemeridade.

SUGESTÃO


Avieiros é um romance lírico, de um lirismo doloroso e concreto. Documento e sonho vazados na matriz irregular de uma consciência, há nele um gosto fundo, autêntico e viril, de semear na companhia do povo um país para homens livres. Mas um lirismo rigoroso, digamos, sem romantismos fáceis, um pouco como os versos líricos que também moram nas tábuas de logaritmos ou nos foguetões interplanetários.
Se confessar que este romance me aterrorizou, depois de me deslumbrar, digo a verdade inteira.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

VENTO

O vento levou-me os cabelos loiros. Mas as telhas estão no colchão a rirem-se de mim. A tempestade não é para todos.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

AREAL DOS SENTIMENTOS


O silêncio das gaivotas rompe com as cuspidelas desgrenhadas dos esqueletos com carne manhosa, que se passeiam na marginal empedrada. É certo que as lágrimas do céu pedem aos bichos uns sussurros, como quem pede uma esmola a desdentados; é certo que os cabelos tresloucados atiram beijos com amor para as penas sem dor. Mas a montanha com ardor nos dentes não esboça uma mudança, “Vós, gente pegajosa, não sabeis enviar beijos”, uma voz salta subitamente dos bicos, “Então porquê, taciturnos?”, pergunta a magote, “Porque matais o amor na primeira curva”, e os bichos viram as traseiras para o paredão indignado.

domingo, 7 de agosto de 2011

NARIZ

Espremo delicadamente a preguiça. Do nariz, com uma violência bruta, salta as raízes das espinhas. Parecem tiros ao vidro, "ó Silvinho, cospes para o vidro?", "Não é isso avó. O nariz é que esguichou umas coisas", "Ah, tá bem", e limpo o rectângulo emoldurado.

sábado, 6 de agosto de 2011

CHUVA

olho para cima e vejo os nervos das nuvens. parece que estão zangadas umas com as outras. e quem sofre com as discussões, somos nós.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

PARABÉNS


Faz dois anos que as primeiras palavras surgiram no blog. Não sei como me surgiu a ideia; mas sei que não posso passar sem elas. Parabéns, pequerrucho.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

O CAROÇO DA FRUTA


Depois do texto, a minha avó pincha que nem os cangurus, obrigando a loiça decorativa a colar os pés em segurança. Sentada no sofá da sala, a minha tia corta a televisão com o desdém, “O meu netinho escreveu-me um texto, o meu netinho escreveu-me um texto”, “E o meu menino não me escreveu nada. Estou com os dentes a ferver”, coloco a barriga no sobrado e abano os membros ao sabor das gargalhadas, “O meu netinho escreveu-me um texto, o meu netinho escreveu-me um texto”, “Ai as dores de coto!”, quando a minha carcaça morde as dores, iço-a e respiro o perfume da calma, “Ó Tia, não digas isso”, “Deixa-me comer o pêssego”, retiro do rosto uma ideia e corro até ao computador. Com o caroço da fruta a espreitar a minha cabeça, limpo o branco do Word com palavras: na era das marradas na mesa da cozinha, o meu corpo sentava-se na cadeira com sentimentos humanos e colava os olhos no prato da minha tia, “Tens o papo cheio, rapaz”, “Cabe no saco mais uma garfada”, e o avião aterrava no meu aeroporto, “Bolas, que comida boa!”, “Agora deixa-me comer”, “Chuta mais um avião”, e os nervos beijavam-me o rosto, “Silvinho, dou-te a última garfada”, encostava os beiços na borda do prato e esperava ansiosamente.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

AVÓ


Enquanto escrevo este texto, a minha avó cheira o computador, “Ui, que coisa complicada! E faz barulho e tudo. Também fala?”, rasgo o rosto com gargalhadas, como se rasgasse as nuvens com o sol, “Só fala se eu lhe mandar”, “O tipo é bonzinho, sim senhor. Obediente”, fecha o fecho e abraça o silêncio. Porém, pouco depois, ela volta às palavras, “E quando arranjas uma namorada? És o neto mais velho e menos despachado. Não podes continuar assim, rapaz”, “As palavras não são compatíveis com namoradas”, “A sério? Hum! Isso quer dizer que não me vais dar netos?”, coloco o olhar nos fundos da cozinha e desfaço-me novamente em gargalhadas, “Quando ela aparecer, avó. Não pode ser uma qualquer”, “Claro. Tem que ser assim”, agarra-me no braço direito, “Mas tem cuidado. Elas agora andam malucas”, “Achas, avozinha?”, “Acho: andam todas descapotáveis. Parecem frutas sem roupa”, “Ó avó”, “Promete-me que terás cuidado”, “Prometo”, “Lindo netinho, lindo netinho”, levanta-se, dá-me um beijo e diz-me adeus.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

CREPÚSCULO

Da janela da cozinha vejo a noite a mastigar a paciência do dia. É um gesto que nos embate diariamente as persianas, como se fosse uma manobra de um camaleão manhoso. Mas o nosso desprezo por essa maravilha é apenas um presságio da nossa abordagem pelos conceitos dos passos.

SUGESTÃO


«O ar, o próprio ar, é inspirador em Jerusalém, foram os Sábios que o disseram. Estou disposto a acreditar nisso. Eu sei que deve ter propriedades especiais. A delicadeza da luz também me afecta. Olho lá para o fundo, na direcção do Mar Morto, por sobre rochedos fendidos e casinhas com telhados bolbosos. A cor dos telhados é a do chão, e no meio daquela paisagem estranha e mortiça o ar abrasador cai sobre nós com um peso quase humano. Aquelas cores comunicam algo de inteligível, algo de metafísico. O universo interpreta- se a si mesmo perante os nossos olhos no espaço aberto do vale de rochas espalhadas que se estende até às águas mortas. Noutros locais, morremos e desintegramo-nos. Aqui morremos e misturamo- nos no todo.»