segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Caçadores de tempestade


Com os olhos mergulhados nas correntes d’ escritas, entro no ritmo do passado. Não existe nenhuma vírgula a mais ou a menos nos meus movimentos, porque tudo se resume ao mesmo nada e porque o nada nunca vê novos horizontes. Porém, o fim dos “caçadores de tempestade” traz-me o isco com sabor a morango, que o lanço suavemente para as trevas, como se tentasse pescar a palavra exacta. Por vezes pesco uma enguia, e com ela surge um turbilhão de ideias; por vezes pesco uma bota sem sola, que destrói o pensamento eloquente.
E é com as estas premissas que o vento me leva para a meta.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Correntes d' escrita


As malas ainda não estão empanturradas de roupa e de livros, mas já sentem a ansiedade de voarem para a Póvoa de Varzim. E eu também. Porém, as próximas horas servirão para arrumar papéis e despachar ideias, como se usasse a tempestade para desarrumar a mesa, "Falta pouco", diz-me alguém. Alargo os cantos da boca até às pontas das orelhas, "Já sinto o mar a bater nas páginas", "Ninguém te vai ver os dedos até sábado", o franzino senta-se e olha-me, "É verdade. Preciso de pensar no fim dos Caçadores de Tempestade, enquanto mergulho nas tertúlias", "Força nisso", levanta-se e desaparece.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Ideia simples

AS PALAVRAS SÃO MEROS ENCARGOS DE CONSCIÊNCIA

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O desconhecido


Estou com o corpo a baloiçar num centro comercial. Sinto-me estranho por isso, esquisito, com falta de ar, mas a obrigação leva-nos a cometer destas loucuras. Mas quando a preça de restauração se apresenta às minhas iris, alargo o beiço e os olhos, porque um sorriso namora com o meu rosto, "Senhor, ó senhor, diga-me uma coisa", e vejo um catraio a puxar-me o casaco, "Ó rufia ainda me vais estragar a preciosidade", e sigo para a cafetaria. O desconhecido persegue-me à distância, com as ventas a dançarem uma aflição, "Porque me segues?", pergunto-lhe subitamente, de dedo indicador direito em riste, "Já foi visitar algum país estrangeiro?", "Já, porquê?", "Não me queres contar como foi?", "E qual é o interesse?", "Se me contares com pormenores, é como se estivesse a visitá-lo", e arregalo a admiração.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Bom dia


Todos os dias, antes de entrar nas paredes do trabalho vejo um desconhecido com a cara desfigurada. Não sei os motivos da deformação, mas espanto-me por o ver sempre a sorrir, dentro da sisudez do burgo, "Tenha um bom dia, menino", e diz-me, assim que os meus ombros roçam nos dele, "Irei ter com certeza. Desejo-lhe o mesmo", e olho de soslaio para as costas da felicidade, que me ensina a amar o dia.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A idade do fim


Não há agora dia que não apareça um velhinho estendido num canto qualquer, com as moscas varejas a digladiarem-se pela posse da carcaça, como se fossem abutres do deserto. A família, essa casta do diabo, quando lhe cheira a herança, aparece a vociferar direitos e a resmungar com veemência para a memória velha, uma vez que não os avisou das dores que sentia. Porém, no mesmo instante em que as câmaras desligam a luz do directo, "Maria, vai ao quarto e traz as jóias, enquanto entretenho os jornalistas", "E o corpo?", "Quero lá saber do velho ranhoso. Nunca nos ajudou a pagar as contas", "É verdade, é verdade", e desaparece, abanando os quadris como uma fufa.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Ementa que não deve escolher


Daqui a algumas horas, a noite vai cair. E com ela, o amor irá percorrer as brumas da memória e irá vociferar sentimentos imaculados, "Que querido, és tão simpático!", "É verdade, és o berço que me sustém na vida", de mãos entrelaçadas com a felicidade. Porém, quando os pratos com comida repousarem na toalha, ela irá conversar com as batatas fritas e ele com o bife, esquecendo-se que estão a construir pequenos divórcios.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Telefone


O mar azul serpenteia palavras com conteúdo, que dão corpo ao romance da minha cosnciência. A luz do fim ofusca-me o discernimento, mas uso as armas dos obstinados para navegar até às margens do paraíso. Porém, sem que nada fizesse esperar, desperto do meu mundo e ouço guinchos de um aflito. Atiro o corpo para a janela e subo violentamente a persiana. E quando ela embate na padieira, coloco a ansiedade na cidade e vejo um miúdo sob um carro. Alargo os olhos e corro para o desespero, "Vamos-te ajudar. Tem calma", esticamos os braços, mordemos as línguas e içamos a máquina da mania, "Não viu o rapaz?", "Estava ao telefone", e alguém lhe deu um murro.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Enfim


Nos erros urbanísticos da periferia, dois corpos mastigam o silêncio da praça. Estão com as mãos entrelaçadas, mas não existe indícios de amor nos lábios. Olham para o empedrado e para as fachadas taciturnas que se queimam ao sol, sem trocarem palavras ou cânticos que fariam conhecer e fortificar as margens da união, "Vamos embora?", levantam-se e caminham em direcções opostas, assim que o crepúsculo abana a cabeça com reprovação.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Silêncio na voz


Arrasto a parede de vidro para o encaixe e salto para a varanda, onde uma lufada tratante me acaricia o cansaço. Olho para a cidade, que se borrifa de luzinhas de várias cores, e penso no mar de omissões que aquelas paredes dizem às outras; e penso que não há nada mais belo do que ter silêncio na voz.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Inveja


A tarde repousa o cansaço numa nuvem pardacenta, que baloiça o medo no horizonte. No empedrado, o sossego é ensurdecedor, pois os transeuntes são apenas memórias. Pouco depois, viro à direita e subo uma rua estreita e cheia de sombras, que me leva até ao parque da cidade. E quando piso a relva fofa, vejo um cãozinho a mastigar um osso sobre o contentor do lixo. Encarquilho a emoção junto ao coração, mas antes de mover a vontade, um carro embate com violência no plástico, que o faz voar por entre as árvores, "Matei a bola de pulgas?", pergunta-me um bojudo da janela do veículo, "Era esse o objectivo?", "Claro, não gosto que me façam inveja", e alargo o olhar.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Ler


NADJA

André Breton - Editorial Estampa


Nadja, publicado originalmente em França em 1928, é o primeiro e talvezo melhor romance surrealista alguma vez escrito, um livro que define a atitude do movimento perante o quotidiano.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Sugestão para o arejo


CLUBE LITERÁRIO DO PORTO
sábado, 17h
Debate "Os 50 anos de bloqueio e a luta do povo Cubano em defesa da Rebolução

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Bolsos


Na praça que mora o ditador, os nervos da magote evaporam-se com terror, formando longas nuvens sobre os prédios, "Canalha, vigarista", "Tenho aqui uma faca para ti, seu corja", mas da varanda presidencial o silêncio acena-nos com desprezo. Porém, quando o crepúsculo pinta o céu com sangue, o grande senhor abre as portas do púlpito, "Não gosto do que vejo, povo. E por isso, vou aplicar mais impostos sobre vós", e os pardais esvoaçam aflitos, "Meninos birrentos, vão para casa. Desapareçam", e desaparecemos, com os olhos nos bolsos.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A aula


A tempestade desgrenha os longos cabelos da professora, que abre a porta da aula assistida. Passou semanas a cheirar documentos, um pouco por todo o lado. Está preparada, mas está com receio que as palavras se engasguem numa gagauez súbita ou que os alunos suspirem perguntas irónicas. A compainha, uma hora depois, empurra os alunos para as travessuras, enquanto a professora pinta as paredes com tristeza, "Os nervos morderam-me a ciência", e chora com uma desalmada.