quinta-feira, 4 de agosto de 2011

O CAROÇO DA FRUTA


Depois do texto, a minha avó pincha que nem os cangurus, obrigando a loiça decorativa a colar os pés em segurança. Sentada no sofá da sala, a minha tia corta a televisão com o desdém, “O meu netinho escreveu-me um texto, o meu netinho escreveu-me um texto”, “E o meu menino não me escreveu nada. Estou com os dentes a ferver”, coloco a barriga no sobrado e abano os membros ao sabor das gargalhadas, “O meu netinho escreveu-me um texto, o meu netinho escreveu-me um texto”, “Ai as dores de coto!”, quando a minha carcaça morde as dores, iço-a e respiro o perfume da calma, “Ó Tia, não digas isso”, “Deixa-me comer o pêssego”, retiro do rosto uma ideia e corro até ao computador. Com o caroço da fruta a espreitar a minha cabeça, limpo o branco do Word com palavras: na era das marradas na mesa da cozinha, o meu corpo sentava-se na cadeira com sentimentos humanos e colava os olhos no prato da minha tia, “Tens o papo cheio, rapaz”, “Cabe no saco mais uma garfada”, e o avião aterrava no meu aeroporto, “Bolas, que comida boa!”, “Agora deixa-me comer”, “Chuta mais um avião”, e os nervos beijavam-me o rosto, “Silvinho, dou-te a última garfada”, encostava os beiços na borda do prato e esperava ansiosamente.

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