sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Romance que escrevo e que ainda não tem título


O crepúsculo, situado no infinito do horizonte, finda num adeus fugaz. A noite nasce num breve respiro. A este gesto repetido da natureza, como capelões vestidos de mágicos, assisto sempre maravilhado da varanda do meu apartamento, a três pisos de altura do pavimento asfáltico. E penso, numa voz surda, que não há nada mais belo do que sentir e abraçar o arrepio deste movimento. Mas a minha tristeza cresce, pois o tempo não tem tempo, e tudo acaba rapidamente. A noite cai. Com ela, surgem do nada, do vazio, por toda a parte, nesta escuridão mórbida que nos embala, pontinhos brancos que apenas nos sonhos molhados pelo suor os consigo ladear. A par, candeeiros públicos, presos nas fachadas dos prédios, acendem-se, iluminando os caminhos dos transeuntes. É nesta altura, mesclados pelas luzes, sombras recortadas pelos objectos, como espelhos fiéis, polvilham a cidade, colorindo-a com uma solidão enfraquecida. Ao vê-la, recordo-me da distância que nos afasta desmesuradamente, através de um agasalho nostálgico que me acaricia a memória. Pelo facto, um deslizar singelo dos lábios e um encolher minuciosos dos olhos, iluminam a chegada de uma lágrima, numa reentrância criada especificadamente para o aparecimento das sensações. Mas outras gotas, com simbologia idêntica, surgem umas atrás das outras, como rios culturais que invadem uma aldeia salpicada por montanhas. E o meu regaço enche-se de sentimentos feridos, presos a uma reminiscência passageira. Por momentos, o chão desaparece e o frio da queda violenta incorpora-se no meu corpo. Pouco depois, como se de um nada se tratasse, volto à noite. Na rua, a luz artificial paira de forma ténue e constante; as sombras tácitas e imóveis permanecem pintadas nas construções do homem. Na rua, nenhum movimento. Aqui, nenhuma palavra.

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