segunda-feira, 14 de setembro de 2009

As Palavras da Discórdia


A cidade dorme num único sono. Silêncio sobrevoa as colinas salpicadas de prédios velhos e infelizes, por não sentirem o aconchego da ternura de uma obra no lombo. Apenas os meus passos dão esperança de vida ao nada, caso ele esteja por aí a seguir-me. Por vezes, sinto-o próximo, quase que me toca, mas, no último movimento de aproximação, no derradeiro momento final, desiste sempre e esconde o pudor num gaveto próximo. Sorrio pelo gesto, sorrio pela atrapalhação juvenil, sem deixar que um pé avance sobre o outro, nas margens seguras de um noctívago.
Entretanto, a praça do município, esse belo local florido por inúmeros nomes exóticos de flores, surge-me lentamente na retina, como uma suculenta iguaria transmontana. E próximo da nudez completa, ainda às voltas com a volúpia, arregalo o olhar com as palavras gigantescas, de cores diversas, empoleiradas por duas estacas robustas de ferro, que conquistam e destroem todo o espaço.
Aproximo-me devastado e agastado por entre o sangue liberto da paisagem. Deixo descair uma dor pela face envelhecida e sento-me no banco de pedra, perto da estátua. E uma tempestade brusca visita-me pelo interior, e eu abandono a felicidade.
Pouco depois, um barulho tépido liberta-me da insolência muda. Procuro-a e encontro, na retaguarda dos meus quadris, uma planta moribunda a tossicar. Fito-a e pergunto-lhe se quer ajuda. Numa voz presa à morte, responde-me que perdeu a guerra para os candidatos às eleições, e que já não há nada a fazer.

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