segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Romance que escrevo e que ainda não tem título - parte III


(Continuação)


impacto do vento, desaparece agilmente sem deixar rasto. “Este menino”, deixo descair as palavras, a tempo de evitar a imperceptibilidade da minha voz, dado que me é inevitável esticar o esqueleto e o rosto neste momento. Atitude que não controlamos e que aparecem assim do vazio sem aviso, sem serem programados: são momentos certos mas inevitavelmente incertos. Incertos, são também, os movimentos executados agora pelo meu corpo, através de deslocações anárquicas dos membros, desenhando na atmosfera uma comédia profunda, sob o olhar desdenhoso e irónico do meu companheiro. E, este desequilíbrio desgrenhado, cessa, pouco depois, com uma das mãos a pousar violentamente nos líquidos pegajosos. Suspiro desconsolado, rugindo umas palavras incultas, ao mesmo tempo que um sorriso suave eleva-se no ar. “Olha o tratante”, cuspo-lhe com uma almofada.
Ergo-me um pouco, a custo, e deixo descair suavemente os olhos para algo imprevisível. Durante a viagem, surge o relógio, ali, solto, a flutuar na escuridão, longe do sustentáculo que o amarra à realidade, exibindo um borrão vermelho acolhedor. Fixo-lhe a retina e suavizo, com esforço, o meu olhar pardacento. Pouco a pouco, em simetria, no acto puro de emoção, descortino devagar os algarismos que deslizam ininterruptamente dentro da caixinha preta. Arregalo as pálpebras quando os conjugo e, com um pulo, levanto-me jovialmente. Visto-me e atiro-me para o sol. Na rua, dentro do fiapo espacial da cidade, vejo-o resplendoroso, vivo, jorrando claridade intensa e infinita, e os transeuntes, alheios, ocupados com o inferno dos pequenos rectângulos nos ouvidos, de cores e formas diversas, a discutirem, a articularem palavras sem selecção, gesticulando com esforço uma verdade que recordam possuir e param exaustos, suando, bufando, ao pé do sinal que os obriga a parar, defronte a umas riscas brancas, e os automobilistas, alheios, ainda mais alheios, absorvidos na condução das peças mecânicas, inundadas de electrónica, deslizam-nas


(continuação)

Sujeito a Mudança

Sem comentários:

Enviar um comentário