sexta-feira, 12 de março de 2010

Para O Meu Pai


O meu pai está reformado. E bem, diga-se. Porque o lombo dele é uma tábua repleta de cicatrizes rosadas, que contam memórias com piada. Pelo menos, para quem está de ouvidos arreganhados a captar a voz concentrada em pormenores. Embora, por vezes, o cansaço entranha-se nesses ouvintes e os obrigue a refugiarem-se num atraso para um encontro, porque a voz tem sempre sede, tem sempre alimento para mais um se.
Mas como dizia, o meu pai está reformado. E o tempo para ele ganhou uma dimensão gigantesca, ladeado de muito sol e de muita noite. Mas a noite respira-se num simples bocejo, acompanhado por um piscar de olhos muito rápido; mas o dia é um mar por navegar sem bússola para o orientar. Temi que se afundasse, ao largo de um adeus eterno. E por isso, os meus dias eram uma espécie de arma que me bordejava o corpo.
Enganei-me, como se as ruas da minha cidade fossem anónimas como as tuas, porque o mar transformou-se em rio e o rio numa simples nascente. E o que parecia inevitável afundou-se num local sem nome, como num terreno baldio; e o que parecia impossível brotou das trevas intensas para os livros didácticos e literários.
Deixo descair uma lágrima para o regaço e sorrio intensamente, e penso, “a felicidade está em pequenos gestos.”

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