quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Nada Se Alterará


A noite é como o dia, para quem deambula nas ruas da cidade, apinhadas de objectos com preços. E a culpa desta verdade é dos efeitos natalícios que colocaram em toda a parte. Talvez o efeito da crise assim o obrigue, como num acto desesperado para atrair clientes, ou talvez seja para alegrar apenas os rostos taciturnos dos transeuntes, que vivem sob lençóis inundados por largos buracos velhos.
A noite é como a noite quando abro a janela do meu quarto. Mas, com o nariz no gelo deste ar mortífero, em baixo, a luz é demasiada intensa para a sobrevivência das sombras. Sorrio pela metáfora que me surge no interior do rosto, que se relaciona comigo, quando vislumbro que elas estão mortas.
Fecho a janela e penetro no silêncio do quarto. Ligo a televisão, num gesto simples a um comando preto, muito negro. Atiro-o para a cama, coberta por um desleixo de semanas. E sinto-me automaticamente vazio, com nenhuma esperança de impor o meu raciocínio: porque tu impões um canal que não o quero. Como se não te importasses que o meu sonho comece a procurar uma outra verdade para a minha alma em sofrimento.
Adormeço subitamente, mesmo a tempo de comemorar a passagem de ano numa viagem imprópria para o meu bolso. E deixo-me ficar assim na hibridez profunda, durante longos minutos, quase eternos, com a luz do candeeiro a borrifar-me uma parte do corpo.
No ano seguinte, com a luz do candeeiro fundida, acordo para o presente. Da televisão surgem palavras de felicidade, envolvidas com muita gargalhada, captam a minha atenção. O me obriga a deslizar a minha visão para duas personagens desconhecidas, que esbracejam artificialmente dentro do rectângulo preto. Observo-os com atenção, seguindo-os como se estivesse a filmá-los. Mas mais nada sinto do que cenários incoerentes com a nossa realidade. Porque, na verdade, nada se alterará, nada seguirá um novo rumo, apenas com a magia de um ano diferente.

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