quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Palavras com Memórias - #001


Não havia domingo, depois do almoço, que não nos juntássemos ao pé do posto da guarda de Lordelo, como se os nossos corpos necessitassem desta tradição para adquirirem a plena felicidade domingueira. Exceptuando, naturalmente, nos dias de chuva e de vento forte. Que nos obrigaria, pois, a permanecer por casa, com os rostos calados e colados ao vidro de uma janela, envoltos em palavras classificadas por uma rodinha vermelha, até que a noite e o sono nos retirassem do desastre do dia.
Daí, todos juntos, calcorreamos o caminho instável, a bom ritmo, por entre brincadeiras próprias da idade – como o jogo das matrículas, por exemplo, que consistia em contabilizar o número de vezes que acertávamos com um número que previamente tínhamos escolhido – sem nos preocuparmos com os perigos eminentes entre o peão descuidado e os automóveis loucos pela velocidade. Felizmente nunca houve um mínimo arranhão nem um susto incómodo a registar.
Uma hora, uma hora e meia depois, talvez por aí, estávamos dentro de Paços de Ferreira, a borrifar sorrisos a cada esquina e a encher os pulmões do néctar mais genuíno que o planeta nos podia oferecer. Com as palavras presas no fascínio, na luz, nas pessoas, eu sei lá o que mais, desta cidade que nos acolhia de forma ímpar, pelo menos para nós.
E o gesto era bem simples, demasiado simples, quase uma insignificância, como se um nada bastasse para atingirmos o auge da alegria; e o gesto era tão simples como o de abrir as portas das ruas, das praças e, claro, dos bolos recheados a algo. Que bruscamente devorávamos até à última migalha, sob o olhar atento e interrogador dos clientes e funcionários. Depois, com os pratos vazios, limpos, encostávamos as costas nas cadeiras e fechávamos os olhos para saborear o alimento no estômago, por largos períodos. Hoje ainda sinto essa satisfação.
Por fim, o regresso. Essa chatice inevitável; esse castrador de felicidade. Mas o relógio não estrangulava os ponteiros e o dia não bloqueava a noite, e os nossos pais não perdoavam um atraso.

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