terça-feira, 31 de maio de 2011

Conquistar a alvorada


As nuvens escurecem as fontes dos sentimentos, pois os fantasmas atacam a cidade. Mas a varinha da esperança aparece subitamente no adro, onde os abraços sensibilizam as fachadas solitárias, “Morte às coisas!”, atiram as gargantas sem mimos. E a noite dá lugar à alvorada, quando o sangue da vontade suja a pedra polida.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Máquinas


No centro da Praça, uma mulher grita para um amontoado de gente, “Deixem-se de politiquices, caros concidadãos. Vamos governar o país!”, o líder, um tipo franzino e alto, como se fosse uma árvore do saber, coloca-se defronte do povo, “Digo sempre não às propostas do governo”, “Este país está uma miséria”, “Digo sempre não às propostas do governo”, “Está na altura de sacudir os interesses dos bolsos”, “Digo sempre não às propostas do governo”, “Ó senhor, não sabe dizer outra coisa? Talvez algo mais construtivo!”, “Digo sempre não às propostas do governo”, a mulher sacode a cabeça e foge, mas é abordada por outro grupo, “Digo sempre sim às propostas do governo”, “Como vamos resolver os problemas do país, senhor? O povo está aflito!”, “Digo sempre sim às propostas do governo”, “Parecem máquinas”, e desaparece.

sábado, 28 de maio de 2011

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Feira do Livro


Começou a feira do livro do porto. O horário da feira é este ano uma vez mais alargado: de 2ª a 6ª Feira, a abertura é às 12h30; Sábado e Domingo, às 11h00. De Domingo a Quinta-feira, a Feira encerra às 23h00; Sextas e Sábados às 24h00. APROVEITEM ATÉ AO DIA 12 DE JUNHO.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Sugestão


É um romance sobre o prazer de ler romances; o protagonista é o leitor, que dez vezes começa a ler um livro que, devido a vicissitudes estranhas à sua vontade, não consegue acabar. Tive, pois, que escrever o início de dez romances de autores imaginários, todos eles de alguma forma diferentes de mim e diferentes entre si.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Frase

"O amor deve ser bebido aos golos. Se bebermos a garrafa toda, ficamos enjoados"

terça-feira, 24 de maio de 2011

Em simultâneo


Coloco a preguiça na areia e ouço o murmurinho das águas, que abraçam a alvorada com familiaridade, “Que colchão macio!”, e respiro como um caçador de paraísos. Subitamente, ao pé da montanha, dois monstros invadem a coluna de oliveiras, “Temos que o abater, pá. O gajo meteu o nariz na porta errada”, “Tens razão, a missão está em risco”, atira o franzino para o brutamontes. No céu, uma nuvem pardacenta engole um avião, “Mas quem fará o serviço?”, “Vou pedir ao homem sem rosto. Parece que o indivíduo resolve todos os problemas da malta”, e o franzino rasga o corpo com tantos sorrisos. No céu, uma nuvem gigante agarra nos sapatos da outra.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Civismo


As cadeiras respiram as lufadas da manhã. Ao fundo, perto da máquina registadora, um sujeito espreme uma espinha enorme, que está implantada no centro do nariz, “Traz-me guardanapos, Silva. Estou cheio de sangue”, “Enojas os meus clientes com essa porcaria”, “O que é que queres? Tenho que fazer a limpeza da cara!”, do caixote metálico, o papel desaparece. Do lado oposto, uma coquete esburaca a noite das narinas, “Silva, preciso de papel”, “Ó gente, o civismo?”, “Guardanapos, Silva”, e quase todas as cadeiras gritam em simultâneo para o incauto.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Das minhas mãos





Sugestão


Aos 65 anos, Simon Axler, um renomado ator de teatro, sobe no palco e constata que não sabe mais atuar. De uma hora para outra toda sua autoconfiança se esvai, e ele perde a capacidade de interpretar os personagens que, ao longo de uma extensa carreira artística, haviam lhe trazido renome. A partir daí, sua vida entra numa espiral de perdas: a mulher vai embora, o público o abandona e seu agente não consegue convencê-lo a retomar o trabalho. Obcecado com a ideia do suicídio, Simon se interna numa clínica psiquiátrica.
No meio desse relato terrível de uma autoanulação inexplicável e apavorante, irrompe um enredo em sentido contrário. Simon se envolve numa relação passional com uma mulher mais jovem, homossexual, filha de um casal de atores que ele conheceu na juventude. Nasce daí um desejo erótico avassalador, um consolo para uma vida de privação, mas tão arriscado e aberrante que aponta não para o conforto e a gratificação, e sim para um desenlace ainda mais negro e chocante.
Nessa longa viagem noite adentro, relatada com a combinação de intensidade, virtuosismo e seriedade que é a marca de Philip Roth, todos os artifícios que usamos para nos convencer de nossa solidez, todos os desempenhos de nossas vidas - talento, amor, sexualidade, esperança, energia, reputação -, tudo isso vira pó.
A humilhação faz parte de uma série de narrativas que Philip Roth vem publicando nos últimos anos. Essas obras - O animal agonizante, Homem comum e Fantasma sai de cena - tematizam a velhice, a perda, a paixão e a morte com vigor e contundência extraordinários. Ao contrário de seu protagonista, Roth está em plena forma, e não perdeu a capacidade de surpreender e empolgar seus leitores.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Os gestos da manhã


A manhã cresce sobre o horizonte montanhoso, enquanto os senhores dos galinheiros transformam o silêncio num arraial do Minho. Dentro do betão com janelas minúsculas, as máquinas famintas sacodem violentamente a letargia. Porém, alguns raios anárquicos chocam contra os defeitos, “Meu querido, pensas que sou tua empregada?”, “Vai-te catar, mulher. Tiraste o dia para me chatear, é?”, “Ó lingrinhas, agora a culpa é minha?”, “Mau, mau, mau, mau. Pensas que estás a falar para os teus amigos?”, “Olha, não me dirijas a palavra”, e ouve-se uma porta a gritar, “Sua vaca”, “Seu boi”, e o amor anda no ar.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Ironia


A ironia sai à rua com os dentes afiados. Perante as facas do homem da carne, a magote hipócrita atira-se contra elas, como se o vento beijasse a montanha do leão, “Ui, tenho o corpo maluco. Parece que não consigo dizer uma verdade”, diz uma alma sem rosto, pois as sombras da tarde rastejam até aos corjas, “Era capaz de namorar uma velha”, “Vou casar com um tipo rico. Preciso de massa. Mas ele não saberá disso”, “Vou viajar até à lua”, “Irei matar o amante da minha mulher”, e quando o relógio marca três da tarde, a noite agarra-se ao céu.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Acertar no peito


A lua e as estrelas não brilham, pois faltam-lhes o carinho do amor. Porém, a massa humana da cidade humedece a violência e busca nos sótãos e nas garagens os irresistíveis cupidos, “Acertem na tristeza”, gritam os sensíveis, que encontram o beijo da felicidade em menos de um pestanejo. Pouco depois, a noite é inundada de corações, como se o teu corpo recebesse os meus beijos, “No peito, camaradas, no peito”, e subitamente a noite transforma-se em dia.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

O poder da razão


As palavras azedas sobrevoam as cabeças dos prédios. Os pássaros, quando pressentem a nuvem do diabo, viram os nervos a estibordo e desaparecem, como se fossem foguetes com pressa; o vento, esse objecto sem cabeça, trava o ímpeto e foge, quase no mesmo instante que as duas cores de pele se juntam; mas os transeuntes, com os esqueletos eriçados, mastigam as pontas da agressividade com satisfação, “És um canalha, molenga”, “E tu? És um boi dos grandes”, e vociferam com ânsia de matar o mundo, assim que a nuvem é uma reminiscência. E o que era antes um sossego é agora um campo de batalha, como se procurassem palavras com razões imaculadas.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Sugestão



Fiódor Dostoiévski é, indubitavelmente, uns dos melhores escritores de sempre, sendo igualmente um dos criadores dos moldes responsáveis pela corrente estética e literária denominada modernismo. Foi em 1866, já atravessando a sua fase de maturidade literária, que o romancista russo publicou O Jogador, uma das suas obras mai...s lidas, na qual depositou, tal como em grande parte dos seus outros livros, as suas traumatizantes experiências de vida.



Passado num ambiente de casinos, em Roletemburgo, Alemanha, a história desenvolve-se em torno de um jovem chamado Aleksei Ivánovitch, que, embora portador de um carácter vivo e de um forte sentido crítico em relação ao mundo que o rodeia, carece de objectivos na vida. Trabalhando num Hotel para um general cuja família é sua conhecida, Ivánovitch apercebe-se que algo vai mal quando se depara com a presença de Mlle. Blache e Des Grieux, dois misteriosos franceses que mantém uma pouco esclarecida relação de proximidade com o general e a sua enteada Polina Aleksandrovna. Certo dia, Polina solicita a Aleksei que vá jogar por ela na roleta, exigindo-lhe que lhe traga dinheiro por o necessitar urgentemente. Apesar do estranho pedido, o amor de Ivanovitch por Polina impede-o de a questionar quanto à necessidade do dinheiro, aceitando jogar, pela primeira vez na sua vida, num casino. A sua obsessão pelo jogo iniciava-se aqui.



Mantendo diversos diálogos com o seu amigo inglês Mr. Astley, também hospedado no Hotel, Aleksei Ivanovitch vai, aos poucos, apercebendo-se de estranhas coincidências entre a necessidade de dinheiro por parte do general e a presença dos franceses em Roletemburgo. Aleksei descobre, então, que o general havia contraído uma imensa dívida para com Des Grieux, sendo a sua única salvação esperar pela morte de sua avó, residente em São Petersburgo, para receber a elevada quantia da herança. O plano parece correr bem até que, sem que nada o fizesse prever, a avó surge, doente,em Roletemburgo, causando de imediato o caos no Hotel. Solicitando a companhia de Aleksei Ivanovitch, a avó resolve gastar propositadamente toda a sua fortuna nos casinos, impedindo assim o casamento entre o general e Mlle. Blanche, assim como a cobrança da dívida por parte do filho.



Após a perda do dinheiro, as fraquezas mentais de todas as personagens entram em erupção, originando as mais drásticas modificações na história. Des Grieux desaparece num ápicee não mais é visto. O general falece de loucura.Ivanovitch, obsecado com a ideia de poder viver junto de sua amadaPolina, num impulso de demência, aposta tudo na roleta e ganha uma fortuna incalculável. Contudo, apesar das boas intenções de Aleksei, Polina rejeita tudo e foge para o desconhecido com Mr. Astley. Psicologicamente rendido, Aleksei sente-se perdido e aceita, sem preocupação, gastar toda a sua fortuna com Mlle. Blanche, a qual não volta a ver após um mês. Segue-se para Ivánovitch um período no qual Dostoievski, também ele, em tempos, um jogador compulsivo, exprime com toda a profundidade psicológica como é a vida de um jogador: viver do jogo, gastando tudo despreocupadamente para, posteriormente, voltar a jogar.



Anos mais tarde, após ter estado preso, Ivanovitch encontra Mr. Astley na Alemanha, que afirma vir a pedido de Polina. Este revela o amor que Aleksandrovna sentia por Aleksei, afirmando que o diz sem quaisquer receios por ter a certeza que Aleksei é um homem acabado. Astley oferece a Ivanovitch uma pequena quantia que lhe permite viajar até à Suiça, onde se encontra Polina. A história termina com um conflito interior de Aleksei, indecido entre apostar aquela quantia na roleta ou correr de imediato para os braços de Aleksandrovna.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Sexta-feira, 3 de Junho de 2011




O II Congresso Internacional sobre Cidades, Culturas e Sociabilidades decorre nos dias 3 e 4 de Junho de 2011 na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, FLUP, e pretende dar continuidade aos trabalhos iniciados na sua primeira edição (FLUP, Abril 2009). A cidade enquanto fenómeno social total ou texto e contexto será objecto de análise e debate interdisciplinar dada a sua complexidade quer em termos de forma e tamanho, quer de sociabilidades geradas.



15.30 – 17.00: Renovação Urbana e Memória Histórica (Anfiteatro 1)
----A instrumentação de actuação na cidade (histórica) – Cláudia Alves, Universidade da Beira Interior (Portugal)
----A informalidade do espaço vernacular na cidade contemporânea – Vânia Teles Loureiro, Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura/ Universidade da Beira Interior (Portugal)
----O vento com duas faces – Sílvio Silva (Portugal)
----Da Vocação dos Lugares - Práticas Urbanas e Sustentabilidade Social – Miguel Costa, Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (Portugal)
----Continuar Inovando. Os novos paradigmas de intervenção em centros históricos – Rosa Macedo, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (Portugal)

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Frase

“Temos que ser mais locais se quisermos ser internacionais”

terça-feira, 10 de maio de 2011

Livraria



Abro a porta de vidro e caminho para os fundos. Junto da escuridão, um pouco danificada pela luz artificial, devoro a livraria do Sr. Silva, “Bom dia, caro amigo. Quantos livros vão ser hoje?”, rasgo a eloquência da investigação e encaixo alguns sorrisos no rosto, “As finanças estão mancas”, ele atira-me uma gargalhada forte, “Como fui aos correios tratar de uns assuntos, aproveitei para dar um salto até cá”, “E fez muito bem. Cheire o que quiser”, vira-me as costas e agarra num livro que uma mulher tem na mão. Volto a colocar o olhar sobre o pensamento e perco-me nas horas.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Decisões



Perto do horizonte, os galos acordam o dia com gritos desmesurados, como se fossem o trovão da ordem. Quase no mesmo instante, o rádio abana a minha mesa-de-cabeceira. Dou-lhe uma lambada no lombo, daquelas que faria doer a tua cara, e grito-lhe, “Que melga!”. Amedrontado, com as montanhas cheias de lágrimas, corta instantaneamente o grito da goela, “Assim está melhor”. Levanto-me e acendo a luz artificial. Estico depois os braços, numa anarquia irónica, e vou para a varanda, “Que bonito!”, e penso que não devo atrasar as minhas decisões, pois a vida é demasiado curta para a desperdiçar em hesitações.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Sugestão



"Neste ensaio sobre 'a organização do espaço', Távora tenta dar um passo importante no seu discurso: a passagem das dimensões arquitectónicas do espaço que experimentava como designer, no estirador e nas obras, para os problemas da organização da cidade e do território, plano em que dimensões socioeconómicas passam a variáveis decisórias estratégicas."

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Questão

Os nossos inimigos são os nossos segundos amigos?

quarta-feira, 4 de maio de 2011

No avião



Tenho os pés nas nuvens e os olhos na terra, “Apertem os cintos, senhores passageiros”, tiro o olhar da janela e amarro-me ao banco de tecido, usando os segredos dos pescadores. Pouco depois, o focinho da máquina inclina-se, como se detectasse um objecto que não pode conviver com os sorrisos do céu, “Sinto-me um pouco enjoado”, viro-me e vejo uma mulher quase morta, pois a sua pele é uma folha de papel. A caixa abana agressivamente, “É desta que vou morrer. Mas eu não quero”, uma criança sorri, colocando os dentes amarelos na primeira fila do ringue, “Estamos quase a chegar”, grita alguém impaciente. Quase no mesmo instante, as rodas pousam na língua preta, “Estou salva, estou salva. Obrigada”, e beija um Santo.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Os pombos



Faço uma pausa na escrita. Tenho os olhos cansados e os dedos doridos, pois as palavras para os juvenis estão a exigir-me bastante esforço, “Que bonito!”, descubro o dia a crescer. Abro a janela e cheiro a Primavera. Junto à fonte, uma pequena árvore dança suavemente. Sobre ela um casal de pombos namora como ninguém, “Olha os malandros!”, e sorrio. Mas quando eles me descobrem, olham-me com tristeza, “Estou a sair, estou a sair”, engulo uma atrapalhação, “Não se esqueçam do preservativo”, e desapareço para a sala.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Sugestão



Neste romance, talvez o mais importante de Mário de Carvalho, tudo se passa numa cidade da Lusitânea, Tarcisis, no momento em que Império Romano começa a soçobrar, devastado por factores internos e externos, as invasões bárbaras e a cristianização. E é num ambiente de decadência que todo o romance se desenrola. Apanhado na vertigem dos acontecimentos e rodeado de sinais que escapam ao seu entendimento, Lúcio Valério, o magistrado supremo é espoliado e perde todo o seu poder. Mário de Carvalho avisa-nos, no começo do romance: "...Tarcisis nunca existiu...", no entanto, devemos estar atentos, sobretudo os detentores do poder, aos sinais dos tempos, para percebermos o que nos acontece.

domingo, 1 de maio de 2011

Os afluentes das mamãs



Os afluentes da mãe são os beijos e as carícias, que os rebentos lançam-lhe ao corpo. Mas estes regos não podem secar no Verão, pois ela sentirá falta do aconchego do amor, “Todos os dias cansa”, dizem os monstros apáticos, “Vocês sentem diariamente a presença da sua mão?”, cuspo-lhes com agressividade, como se fossem inimigos da humanidade, “Não respondem?”, engulo um sorriso, “O silêncio responde a tudo”, tiro a fotografia do bolso e beijo a minha mamã com delicadeza, “És o meu paraíso, que me arrasta da tristeza”.